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Pesquisa demonstra como a relação entre cinema, trabalho e educação pode ser utilizada em sala de aula

Com os resultados divulgados em julho, o estudo de Diogo Helal pretende contribuir para o ensino superior em administração 




Diogo Helal e Elisabeth Cavalcante apresentam resultados da pesquisa e lançam livro durante seminário em dezembro de 2022, na UFPE, campus Caruaru/ divulgação

No início de julho deste ano, o doutor em administração e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Diogo Helal, divulgou o relatório final de seu estudo que relaciona trabalho, educação  e cinema. A pesquisa, iniciada em 2014, tem como objetivo desenvolver um método de ensino-aprendizagem a partir da produção cinematográfica e seu potencial para discutir temas relacionados ao campo laboral. 


Trabalho e Cinema: reflexões sobre o trabalho a partir da produção cinematográfica e elaboração de casos para ensino tem como resultado um repertório acadêmico potente para otimizar a condução dos cursos superiores em administração. Ao todo, foram publicados 5 artigos em eventos acadêmicos, 5 artigos em periódicos científicos, assim como um livro de 11 capítulos, organizado por Diogo e pela também pesquisadora Elisabeth Cavalcante. 


No cotidiano dos professores, os casos para ensino funcionam como uma espécie de material didático que podem ser utilizados em sala de aula. A ferramenta se constitui do caso em si, que neste trabalho são os filmes e documentários,  e de notas de ensino que fornecem sugestões embasadas para que o profissional faça a mediação com os estudantes. 


O projeto encabeçado pelo pesquisador da Fundaj teve como alvo os cursos de administração. A graduação é uma das mais procuradas entre os ingressantes no ensino superior. Desta forma, o estudo considera que fomentar uma metodologia de educação ativa para esse grupo significa contribuir para a formação de uma grande parcela de estudantes. 


Soma-se ainda a tendência desses profissionais lidarem com diferentes tipos de negócios e corporações no exercício de suas atividades. Desde multinacionais a barracas de bairros, os fundamentos da administração podem ser aplicados. Nesse sentido, o estudo defende que utilizar os casos para ensino com esta parcela de estudantes é também garantir a sensibilização dos futuros profissionais a questões diversas que atravessam as relações trabalhistas.  


Além de Diogo Helal, a pesquisa é fruto do trabalho dos doutores em administração, José Ricardo Mendonça (UFPE), Ana Carolina Kruta (UFPB),  Helltonn Maciel (UFPB), Fernanda Cassundé (UFPE) e Elisabeth Cavalcante (UFPE) e do doutor em engenharia da produção, Anielson Barbosa (UFPB), à frente do Núcleo de Estudos em Aprendizagem e Conhecimento, da UFPB, que fez parceria com a Fundaj ao longo do  projeto.


A Revista Coletiva conversou com Diogo Helal sobre a pesquisa, seus resultados e os próximos passos do projeto.



Livro resultante da pesquisa / divulgação

RC: A sua pesquisa se direciona para os cursos superiores em administração. Conte um pouco sobre essa escolha. 


Diogo: Sim, primeiro, tem um ponto de partida pessoal. Eu sou administrador. Eu sou professor de administração há muito tempo, na  graduação,  no mestrado e no doutorado. Então, é um lugar que eu conheço um pouco mais. Mas tem uma explicação  também estatística. A administração é um dos maiores cursos no Brasil em número de matrículas, é um curso que tem se expandido muito fortemente desde a década de 90. Toda universidade pública abre curso de administração, as particulares têm a administração ou cursos na área de gestão. Então, refletir a partir do ponto de partida da graduação em administração significa refletir a partir de um dos três ou quatro maiores cursos de ensino superior no Brasil em número de matrículas, em número de cursos. Então partiu um pouco dessa ideia.


RC: O método apresentado poderia se adequar a outros cursos também? E a outras modalidades de ensino, como o Ensino fundamental e médio? 


Diogo: Nós trouxemos casos a partir da produção cinematográfica com um eixo central de discussão que é o trabalho. Todo e qualquer curso e nível de Ensino em que você vá problematizar o trabalho e as questões que o livro traz, como assédio moral, questões de gênero, trabalho doméstico pode ser utilizado. A problematização do trabalho pode ser feita para qualquer curso. Quando falamos especificamente da administração, temos toda uma discussão empresarial sobre gestão de pessoas e doméstica do trabalho e a ideia é trazer uma perspectiva crítica, por exemplo, sobre assédio.


Quando você pega uma disciplina de gestão de pessoas, você não tem na discussão a priori uma atenção sobre assédio, você tem práticas das empresas que buscam evitar ou que às vezes até fomentam o assédio, seja no processo seletivo, seja numa avaliação de desempenho. Quando a gente traz essa discussão para a administração, é no sentido de fazer uma crítica e um contraponto de que existem questões de assédio em ambiente organizacional. Falo do assédio em especial, porque um dos filmes que a gente traz e como ilustração do assédio [trabalhamos] O diabo veste Prada, que se trata de uma organização, de uma empresa de moda, que se chama Runaway. Lá tem  uma gestora, a Miranda,  tem pessoas que trabalham com a gestão, tem pessoas que querem buscar um cargo. Então, [a partir do filme] você tem Burnout, por exemplo, e  várias coisas que  tem em um ambiente organizacional, só que aquilo ali não é apresentado a priori no ensino de gestão de pessoas. Isso só pode ser usado na administração ? Não,  posso utilizar isso no curso de Direito,  posso, por exemplo, pegar um recorte –guardadas as proporções de ser uma empresa fora do Brasil–  eu posso fazer um debate sobre questões de assédio numa disciplina de direito do trabalho, por exemplo. Posso fazer uma discussão sobre isso nas Ciências Sociais ao falar das relações de trabalho como um todo.  Posso discutir isso na Comunicação porque é uma empresa de comunicação, é uma revista , posso olhar  para uma disciplina de tópicos em um curso de comunicação e tratar [desses temas] na prática. Posso fazer uma discussão disso no ensino médio, num debate sobre uma disciplina em Sociologia para discutir essas questões sobre trabalho na  sociedade. Posso utilizar isso numa disciplina de pós-graduação nessas áreas,  propondo um debate mais aprofundado. Quem vai dar densidade no tratamento do caso é o professor.


 Eu tenho aqui um caso ilustrativo a partir do recorte do filme. E como vai se tratar, como vai  adensar a discussão em sala de aula, quem decide é o professor. As notas são pontos de partida para que o professor possa utilizar, mas o nível de profundidade, ele quem vai dizer, a depender do público com que vai utilizar.


RC: Por que a escolha pelo tema trabalho? Pensa em alguns outros temas que poderiam ser estudados pelo cinema? 


Diogo: Você pode falar sobre as questões ambientais e de crise climática, por exemplo, tem vários filmes sobre isso. Quando a gente fala de cinema,  estamos falando de ficção e documentários. E você tem uma variedade de temas muito grande. Se a gente tivesse falando de usar O diabo veste prada em um curso de psicologia, poderíamos abordar relações interpessoais e relações familiares. Para qualquer curso, você vai ter uma contraparte de um debate que apareça num filme. É um instrumento de ensino-aprendizagem muito forte porque permite que o aluno consiga visualizar o tema daquela aula, literalmente visualizar.


A ideia não é passar um filme, como às vezes vemos em sala de aula:quando falta o professor, coloca-se um filme para rodar. Não, o  professor é o maestro na sala de aula, ele vai utilizar o filme com intencionalidade pedagógica. Ele vai fazer um recorte, um objetivo específico para aula e para disciplina e o filme não é um tapa buraco e sim, ferramenta para que possa ser discutido tal tema naquele momento da disciplina, com tais propósitos. O caso para ensino vai ser inserido nessa construção de intencionalidade pedagógica.


RC: Em sua pesquisa, com base em outros autores, você destaca o processo de macdonaldização do ensino da administração. Esse problema atinge a educação como um todo. Pode comentar a respeito?


Diogo: Essa ideia de mcdonaldização tem a ver com a ideia de padronização dos cursos. Os cursos cada vez são mais padronizados, com currículos muito parecidos, literaturas muito parecidas, especificamente, na administração, ou em boa parte da literatura utilizada no ensino superior  feita nos Estados Unidos ou a partir de diretrizes norte-americana sobre gestão. Além da padronização, há uma ausência de reflexão e de contextualização daquela literatura ao contexto real, [pois] os exemplos são de empresas multinacionais. E  quando você está dando aula no curso de administração no interior do Brasil, onde tem um fiteiro, tem uma cantina, isto é, tem uma outra dinâmica de organizações, que não encontra lastro naquela discussão padronizada e homogeneizada que os livros trazem. O caso para ensino traz uma ferramenta também para problematizar e trazer contextualização para aquele debate.


RC: Como foi a escolha dos filmes? Houve prioridade para os nacionais?  


Diogo: A gente utilizou tanto nacionais, quanto internacionais. Por exemplo, ao discutir trabalho doméstico, tem [o filme] Que horas ela volta? , que mostra uma realidade nacional de uma trabalhadora doméstica vindo para uma jornada muito marcante. O diabo veste Prada traz um contexto fora do Brasil, mas um tema que nos atravessa também. Houve sempre a intenção de mesclar. A ideia é trazer uma contextualização para o debate no Brasil, para que pudesse ser algo mais próximo de quem está em sala de aula, vendo aquilo ali para aplicar o método. 


RC: E para aplicar esse método, o que você aponta como vantagens e o que aparece como desafios?


Diogo: A vantagem é que você permite um ensino contextualizado, você permite uma postura ativa do aluno no lugar de ter uma aula em que o professor está distante e está apenas passando aquela comunicação. Quando o aluno se coloca diante de um filme e o professor provoca uma reflexão a partir de alguma cena, ele faz a conexão com a teoria em sala de aula. Ele sai de uma postura passiva de mero receptor do conhecimento à postura ativa em que ele precisa interpretar o filme e articular com a teoria. Isso tem uma potência de aprendizagem muito alta, muito forte e isso é muito bom.


Os desafios, às vezes, são que nem todos os professores são preparados para utilizar uma metodologia ativa em sala de aula e nem os alunos. Porém, eu acho que hoje, olhando para o ensino superior, você pega alunos que vieram do ensino médio em que isso é mais presente. Não se tem aquela visão mais tradicional de sala de aula, de quadro etc. Há lugares no Brasil em que tem aproximação com metodologias ativas de ensino-aprendizagem, mas ela é uma construção e gera um desafio tanto da parte do professor quanto da parte do aluno.


Além disso, eu acho que tem a ver com a formação dos professores. Os professores podem ser provocados a pensar sobre a sua formação. Quando a gente fala de professores do ensino médio, você tem uma formação pedagógica clara, porque são professores que vêm do curso de pedagogia e das licenciaturas, então a discussão pedagógica acontece em sala de aula, mas se você for analisar professores do ensino superior, não tem formação pedagógica, são professores que são graduados na profissão, fazem um mestrado na área e, na maior parte das vezes, eles não têm uma disciplina de didática de ensino superior ou uma disciplina que trate do aspecto pedagógico. Eles aprendem o exercício da docência superior fazendo. E nesse fazer, o de se aproximar de metodologias ativas não é tão imediato, é uma construção que vai acontecendo.


RC: No livro, é colocada em evidência a necessidade da proposta de aula estar adequada ao plano pedagógico do curso e ao plano da disciplina. O que você observa sobre esses documentos atualmente, eles costumam ter esse espaço para esses casos de ensino?


Diogo: Eu acho que o currículo em si não vai dizer isso, ele vai apresentar uma disciplina com ementa que é o conteúdo programático dentro daquele conjunto de disciplinas. Isso tem a ver com o método de ensino-aprendizagem. Uma mesma disciplina  realizada por dois professores, cada um deles utiliza métodos de ensino- aprendizagem diferentes. O professor pode dar uma aula mais tradicional de uma disciplina e nessa mesma disciplina, o professor pode utilizar metodologias ativas e utilizar casos para ensino por meio dos filmes. Pode até ter plano pedagógico de curso, o PPC, mas no fim é o professor que decide se vai fazer uso disso. 


RC: Dá pra ser otimista e pensar o que pode ser incluído oficialmente nos currículos?

Acho que sim, porque isso facilita o processo em sala de aula, o aluno se engaja mais. Usar metodologias ativas com intencionalidade pedagógica, não como a ocupação de tempo, faz com que os alunos se engajem no processo de ensino e de aprendizagem, aprendam melhor. Isso torna o processo da sala de aula mais fluido. O resultado é muito bom.


RC: Poderia  dar um exemplo prático da metodologia indicando um filme e os aspectos que podem ser trabalhados, formas de avaliação?


Digo: Eu vou tomar como  exemplo, O diabo veste Prada. É  um filme que muita gente conhece e daria para discutir assédio moral, relações de gênero, o binômio vida pessoal- vida do trabalho, os dilemas associados a isso, são coisas que podem ser discutidas a partir do filme. O mesmo filme pode trazer debates diferentes.  Em O diabo veste Prada optamos por discutir assédio. Então, são as escolhas que  podemos fazer.


 Para dar um exemplo de documentário, [posso citar] Estou me guardando para quando o Carnaval chegar. O documentário fala sobre a informalidade e o trabalho ligado ao jeans na região de Toritama. É um filme que você pode fazer um debate sobre informalidade, sobre relações de trabalho, sobre novos arranjos, como isso impacta na cidade, como isso impacta várias coisas. Tem um leque de possibilidades para se discutir a partir de filmes nacionais e internacionais de temas em geral.


RV: Para os próximos passos, também está previsto um seminário. Como está o andamento dessa proposta? 


Diogo: Ainda estamos fechando algumas datas e algumas possibilidades para fazer [o seminário]. A ideia seria fazer até o final do ano, mas a gente já tem algumas questões acertadas, [como] a vinda das pessoas, a programação. O livro foi lançado em Caruaru, no Centro Acadêmico do Agreste, da UFPE, quando fizemos o primeiro seminário,  em dezembro de 2022. Em 2023, apresentamos os resultados parciais em um debate sobre utilização de filmes em sala de aula no  Encontro Nacional de Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, da Associação Nacional de Pós-graduação em Administração. Então, tivemos dois momentos de  partilha dos resultados, foi muito bom  e esperamos fazer mais uma até o final do ano.








 



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