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Entrevista: População mais envelhecida e perda do bônus demográfico são desafios para o futuro do Brasil, diz demógrafo Wilson Fusco

A Revista Coletiva conversou com Wilson Fusco, um dos poucos demógrafos em atividade em Pernambuco, sobre os processos do Censo de 2022

O pesquisador Wilson Fusco, diretor de Pesquisas Sociais (Dipes) da Fundação Joaquim Nabuco. Foto: MCS/Coletiva

Por Maria Carolina Santos


A cada década o Censo apresenta um novo panorama do Brasil. É pelos dados desta gigantesca pesquisa que os governos montam suas estratégias para diversas áreas importantes, como saúde e educação. “Não é apenas um retrato do Brasil. É como se fosse um filme: colocando os dados dos Censos lado a lado, acompanhamos ao longo do tempo as mudanças no país”, diz o pesquisador Wilson Fusco, doutor em Demografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e diretor de Pesquisas Sociais (Dipes) da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).


Desde que o IBGE deu início a divulgação do Censo 2022, a Fundaj vem acompanhando de perto essas informações. Em novembro do ano passado, a Dipes organizou um seminário para debater os primeiros dados sobre os domicílios. No mês passado, discutiu o que o novo Censo mostra sobre as populações indígenas e quilombolas.


A Revista Coletiva conversou com Wilson Fusco, um dos poucos demógrafos em atividade em Pernambuco, sobre os processos do Censo de 2022 e o que ele tem revelado até agora sobre a população brasileira.


O Censo 2022 sofreu vários atrasos por conta da pandemia e da falta de orçamento. Chegou-se até a se questionar a validade dele. Agora, olhando em perspectiva, esse censo é menos válido que os outros? 

Todo Censo é uma operação gigantesca e muito complicada. Tanto operacionalmente, como politicamente e financeiramente. Na época do governo Collor, houve uma tentativa de não se fazer em 1990. Aí, por força da pressão social, acabou saindo em 1991, quebrando uma série histórica nacional. Em 2000 teve problemas operacionais, de alcance da população como um todo. Em 2010 a mesma coisa. Em 2020 ficou ainda mais complicado, por conta da pandemia e da visão do governo. O então ministro Paulo Guedes chegou a dizer que não precisava ter o Censo para conhecer a população brasileira. E disse que tinha perguntas demais ali, citando países desenvolvidos, em que em muitos deles é algo muito simples, poucas perguntas. Mas nestes países há registros administrativos atualizados, online, com todo mundo participando, com pouca dificuldade de conhecer a população. Não é o caso do Brasil. Aqui é uma dificuldade chegar a todos os moradores, todos os residentes, e por isso é fundamental que se faça um Censo. A qualidade do nosso Censo é reconhecida internacionalmente. Nós somos um modelo para diversos países em termos de metodologia, em termos de alcance e de métodos estatísticos para expandir o resultado da amostra, que é uma amostra com muitas perguntas para o universo da população.


O número de perguntas diminuiu no questionário do Censo 2022?

No Censo existem duas coletas diferentes de dados, uma é feita para todos os municípios do país, um questionário bem enxuto, simples, que se faz em 5, 10 minutos. E outro que é uma amostra da população, que, dependendo do tamanho do município, é uma proporção diferente da população, onde você faz uma entrevista muito mais aprofundada, com detalhes até sobre o passado da pessoa, quando é o caso de você falar de migração, onde ela vivia tantos anos atrás, há quantos anos ela mora aqui. Então, a metodologia para você expandir os resultados dessa amostra é algo bastante preciso, bastante confiável, e com a tecnologia de hoje, melhorou muito por conta da possibilidade de você ter uma crítica automatizada com relação às informações que chegam, que porventura não estariam corretas. Conseguimos, por meio da tecnologia, melhorar muito essa questão da qualidade dos dados. Agora, o número de perguntas, teve, sim, uma redução importante. Porém, o Censo 2022 é muito válido, é a principal fonte de dados para todos os governos, municipal, estadual, federal, para que possamos conhecer as características da população para decisões em termos de políticas públicas e também para a iniciativa privada conhecer as pessoas que vão trabalhar ou consumir. É a principal fonte de informação sobre a população do Brasil.


Sobre essas perguntas reduzidas, o que foi priorizado nesse novo Censo? e o que foi retirado?

Da minha minha especialidade, que é a migração, retirou-se, por exemplo, uma pergunta sobre quem do domicílio hoje vive em um país estrangeiro. É uma pergunta sobre a emigração internacional, que foi colocada pela primeira vez em 2010, algo muito importante, porque a gente não tem como dimensionar isso, já que a pessoa saiu do país. Você não sabe para onde ela foi, há quanto tempo e coisas do tipo. Foi retirada essa pergunta. Reduziu-se também algumas questões sobre migração interna, mas que não comprometem a possibilidade de explorar o Censo de uma forma mais ampla. Por outro lado, houve um detalhamento em relação à pergunta sobre mobilidade pendular, que não é migração, porque a pessoa não muda de domicílio entre municípios, que é a definição de migração para o IBGE, mas ela muda de município para realizar o trabalho ou o estudo dela. Então, nesse caso, houve um detalhamento a respeito de quanto tempo ela leva para se deslocar e, no caso do trabalho, pergunta também o meio de locomoção. Houve uma redução também em questões relacionadas ao trabalho, mas a questão do trabalho é muito bem mapeada, então também não foi algo que pudesse ter grandes prejuízos. Em síntese, as mudanças neste Censo, apesar de termos o desejo de ter o maior número possível de perguntas, entendemos qualquer mudança dentro do questionário corresponde a um valor financeiro enorme por conta, obviamente, do número de pessoas que é entrevistada, do número de pessoas que é mobilizada para entrevistar, que bate na casa de uma pessoa, fazendo perguntas que a pessoa muitas vezes acha que é invasiva e tendo que contornar as dificuldades. Então, colocar e tirar perguntas é sempre uma questão muito polêmica.


Fusco defende a importância do Censo 2022, apesar da redução de perguntas. Foto: MCS/Coletiva

O que mudou de forma mais destacada na população brasileira entre o Censo de 2022 e o Censo de 2010? A taxa de crescimento da população foi a mais baixa registrada até hoje. A taxa de crescimento entre 2010 e 2022 foi de 0,54% ao ano, a mais baixa registrada na história dos registros de população, que começou em 1872. O Nordeste foi a região que menos cresceu no Brasil, ou seja, se ele cresceu abaixo da média brasileira – a princípio, devemos confirmar isso com os microdados – perdeu população via migração, como vem fazendo há décadas e décadas. O Nordeste tinha em torno de 27% da população brasileira em 2010, e diminuiu um pouco mais essa participação agora em 2022. Por outro lado, o Centro-Oeste teve o maior crescimento dentre todas as regiões do Brasil. É algo que tem que ser levado com um certo cuidado, porque é a menor população do Brasil. Então, quando a população é muito pequena, ela tende a variar de forma mais intensa. E mesmo crescendo, mais de 2% ao ano, não impacta tanto. O Norte, que estava crescendo bastante também na década anterior, diminuiu a taxa de crescimento, mas continuou crescendo bem mais do que a média brasileira. Provavelmente o próximo censo vai dizer que o Nordeste ainda tem saldo migratório negativo de população. O que a gente sabe é que alguns municípios diminuíram a população, de fato. Por exemplo, os principais municípios da Região Metropolitana do Recife, diminuíram a população. Recife diminuiu, Jaboatão dos Guarapes ficou quase na mesma, Olinda diminuiu.


Houve uma queda da população no Brasil como um todo em relação à projeção, que seria de 213 milhões, e no Censo 2022 ficou em 203 milhões. Por que isso ocorreu?

Foi porque normalmente se faz a projeção baseada em uma contagem intermediária, e essa contagem intermediária não aconteceu. A cada 5 anos, o Censo Demográfico faz uma contagem. Era para ter sido feita em 2015 e não foi realizada. Quando você faz uma contagem, você tem ali informações a respeito das taxas de mortalidade e de natalidade. E também um pouco sobre perda populacional via emigração internacional. O IBGE não pode ser ousado nas projeções, tem que ser conservador. Então, ao ser conservador, ele não aposta muito que o número de filhos por mulher vai cair tanto quanto se verificou no Censo 2022. Tivemos uma queda de fecundidade muito intensa e uma melhoria razoável na expectativa de vida da população, tirando a fase da pandemia, em que houve uma queda. O número de filhos por mulher caiu muito mais do que havia caído até então. Em 2010, por exemplo, a taxa era de 1,9 filho por mulher, que é uma taxa abaixo da taxa de reposição, que é um pouquinho acima de 2. Ou seja, aquele casal, quando tem dois filhos, se repõe quando eles morrem. E hoje essa taxa está muito abaixo da reposição e isso fez com que o ritmo de crescimento da população brasileira diminuísse fortemente. Não foi uma surpresa para os demógrafos, nós já sabíamos e entendemos perfeitamente o motivo: saída de pessoas via emigração internacional e diminuição do número de filhos.


Já que não se tem mais a pergunta sobre saída do país, como se acompanha a emigração internacional? 

Por meio de fontes como o Itamaraty, que faz uma estimativa, que não é precisa, de brasileiros que vivem no exterior. Não falam de fluxo, mas falam de pessoas que vivem no exterior. Ou seja, para nós, a gente chama isso de estoque. Estoque de brasileiros vivendo fora por meio de um levantamento que todos os consulados e embaixadas fazem ao redor do mundo a respeito da presença de brasileiros lá. É um levantamento contínuo.


“Nós estamos caminhando para a estabilidade: estamos crescendo agora a 0,54% ao ano. E, em breve, a gente vai estabilizar em um certo ponto e, exatamente em seguida, a população vai começar a diminuir. Isso deve acontecer por volta de 2030, 2035”

E esse número tem aumentado?

Tem aumentado nos últimos anos, mas o próprio Itamaraty coloca uma nota dizendo que não é uma medida precisa, é um levantamento de registros que pode pegar uma mesma pessoa mais de uma vez. Mas é a única forma hoje de verificarmos o brasileiro no exterior de forma geral. Os legalizados a gente consegue ver, por exemplo, no censo norte-americano, nos censos de registros administrativos da Europa e outros lugares assim. Então, por esses registros eu tenho acompanhado, por exemplo, o crescimento muito intenso dos brasileiros na Europa, especialmente em Portugal. Uma novidade é um crescimento da população qualificada de brasileiros para Portugal muito maior do que a população não qualificada. Chama-se também de exportação de cérebros, que é a população mais qualificada saindo do Brasil pelos mais variados motivos, indo para Portugal porque facilita muito a entrada de brasileiros, ao contrário de Estados Unidos e alguns outros países da Europa.


Esse Censo teve alguns questionários online. Foi um avanço? Sim. O Censo Demográfico incluiu algumas tecnologias. Ao ser abordado, o entrevistado poderia escolher se queria dar entrevista naquele momento, se queria receber o link para dar entrevista na internet ou se queria fazer por telefone, por exemplo. Achei muito positivo, porque você diminui muito a perda de potencial de entrevistas, porque existe uma perda tolerável de até 5% na realização das entrevistas. Era historicamente abaixo de 2%, e neste censo chegou a 5%, por conta de uma mudança de comportamento da população brasileira depois do último governo, tenho certeza disso.


O que seria essa mudança?

A mudança de você não acreditar em levantamentos como esse do Censo, você não aceitar dar informações porque você acha que você não tem obrigação. Mas você é obrigado por lei a dar as informações para o governo. Há pessoas que acham que o governo poderia tomar medidas de fiscalização do trabalho ou da renda, sendo que o Censo é sigiloso e ele não conversa com outros organismos do governo. Mas as pessoas não acreditavam nisso e achavam que poderiam fazer o que quisessem, se não quiser dar entrevista não dá e pronto, mas isso não é verdade. É um negacionismo também com relação ao levantamento de informações, que é indispensável para que todas as dimensões do poder público no Brasil possam tomar medidas para melhorar a vida da população.


Há um aumento da importância dessa população mais idosa?

Sim, porque teve menos crianças entrando na população ao longo dos anos. E você tem menos crianças entrando e você tem mais pessoas morrendo, obviamente. Por quê? Porque quando você tem mais pessoas idosas, você vai ter um aumento da taxa de mortalidade não por conta de condições de violência, mas porque é a faixa de idade onde a gente morre. A gente morre quando a gente fica velho. Então, quando você tem muito mais velhos, você vai ter uma taxa de mortalidade maior. Com uma taxa de fecundidade menor, o que você vai ter é, em breve, a diminuição da população. Nós estamos caminhando para a estabilidade. Nós estamos crescendo agora 0,54% ao ano. Depois de ter crescido mais de 3% ao ano, no passado. E, em breve, a gente vai estabilizar em um certo ponto e, exatamente em seguida, a gente vai começar a diminuir a população por conta de menos pessoas nascendo e mais pessoas morrendo. Isso deve acontecer por volta de 2030, 2035. Está bem próximo o início da queda do número de pessoas a cada ano. Isso já acontece nos países desenvolvidos. O Japão lida com isso há muito tempo. Portugal está diminuindo a população, tanto via emigração, porque os portugueses emigram muito, quanto porque tem fecundidade baixa há muitos anos. 


"Será preciso investir mais na qualidade da educação, e não tanto na quantidade de escolas, já que você vai ter cada vez menos crianças a cada ano procurando vaga"

E quais são as consequências desse envelhecimento da população para o Brasil? A consequência para o Brasil é que você vai ter que começar a investir em questões de saúde, que são mais demandadas por pessoas mais idosas. Se tiver bom senso, você vai investir em lazer, porque as pessoas têm que ter uma vida, não é só uma vida mais estendida, não é ser longevo somente, você tem que ter uma vida que faça sentido para você, você tem que ter lazer nesse período. Por outro lado, você pode investir na qualidade da educação infantil, dos jovens, ao invés da ampliação de vagas. Você não precisa mais ampliar vagas para estudantes da educação básica, do ensino médio – isso de forma geral, obviamente existem lugares específicos ainda não atendidos. Vcê pode começar a investir na qualidade e não ficar mais preocupado em ampliar o espaço e sim melhorar o espaço das escolas, melhorar a carreira do professor. Será preciso investir mais na qualidade da educação já que você vai ter cada vez menos crianças a cada ano procurando vaga. Eu não estou falando de creche, já que nós temos um déficit muito grande nessa área.

O Brasil perdeu o bônus demográfico? Essa janela que tivemos na evolução da população teria sido muito bem aproveitada se o Brasil tivesse qualificado a população, por um lado, e oferecido oportunidades de trabalho para pessoas qualificadas, pelo outro. Nós conseguimos ampliar muito o número de pessoas que puderam se qualificar ou entrando no ensino superior, ou no ensino técnico. Mas poderia ter sido muito melhor, porque descuidamos da qualidade da educação, a meu ver. E não oferecemos oportunidades no mercado de trabalho para absorver essa população, que foi outro motivo para o Brasil ter perdido muita gente para o exterior. Pessoas muito qualificadas, que não encontravam oportunidade aqui, descontentes com a política também, claro, e que foram embora do país. Além de você não ter a chance de diminuir a desigualdade social e socioeconômica do país, com a perda do bônus demográfico você vai ter um impacto grande na previdência, porque você vai ter muita gente aposentada, e já está tendo, por conta do envelhecimento populacional, e não tem tanta gente contribuindo com a previdência, porque essas pessoas não conseguiram uma boa colocação no mercado de trabalho.


No primeiro seminário sobre o Censo 2022 realizado pela Dipes houve uma fala de que essa população mais envelhecida também vai ter um impacto na política, com um perfil mais conservador. A gente não está inventando nada, o que a gente fez é observar o que aconteceu nos países onde isso ocorreu antes. Então, se você olhar a Europa e olhar outros países em que teve envelhecimento populacional por conta naturalmente dessa dinâmica da diminuição de taxa de fecundidade e aumento da expectativa de vida, também por questões de melhorias das condições de saúde, há também um aumento do conservadorismo. De forma geral, as pessoas mais velhas tendem a ser mais conservadoras e tendem a votar de forma mais conservadora. E obviamente não ficam tão interessadas na população mais jovem e sim na sua própria vida. A maioria das pessoas tendem a pensar em si em detrimento da sociedade como um todo. Então, algo que se verifica é o aumento do conservadorismo por conta da idade média da população e o impacto disso nas políticas públicas. Apesar dos políticos do Brasil não terem tanta preocupação com o que pensa a população, vai ter sim um impacto na política porque as pessoas mais idosas vão eleger pessoas que se mostrarem também mais conservadoras.


Voltando para um contexto mais local. O Recife diminuiu a população de residentes, mas aumentou o número de residências? Houve um aumento importante de número de residências, principalmente apartamentos. Isso indica para mim o impacto da especulação imobiliária. Temos também a diminuição do número médio de pessoas por residência, mas que está mais fortemente relacionada com a queda de fecundidade. Há também mais gente morando sozinha, mas o crescimento foi muito maior que o da população, que no caso teve um decréscimo no Recife. Essa informação de crescimento intenso de unidades habitacionais versus decréscimo de população é algo também novo no Recife. Isso é algo a ser estudado. E se isso continuar pode ser o caso da prefeitura avaliar o crescimento da área urbana do Recife de uma forma tão intensa, com impactos tão fortes no meio ambiente. Novas unidades geram novos pontos de água, mais carros nas ruas concentrados em certos espaços. No Recife, há um déficit habitacional junto com o crescimento de unidades habitacionais. Se você pensar em políticas exitosas de outros países, por exemplo, na França, quando uma uma empresa construtora consegue permissão para levantar um prédio ela obrigatoriamente tem que dar uma parte daquele prédio para o social, uma parte daquele prédio vai ser destinada a pessoas que não tem condições de arcar sozinhas com o aluguel e o governo vai pagar uma boa parte desse aluguel. E as pessoas mais pobres vão morar no mesmo prédio de pessoas com alto poder aquisitivo. Imagine isso no Brasil. É ridículo comparar com o que a gente tem no Brasil, mas essa medida deu muito certo em outros países e pessoas se misturarem é uma coisa fantástica.


Com colaboração de Letícia Barbosa A reprodução de matérias e fotografias é livre mediante a citação da revista Coletiva e da autoria do texto.



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