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Com quantas camadas se produz uma imagem?

Exposição virtual Jogo de Camadas explora a construção de imagens por meio de inteligências orgânica e artificial com objetivo de auxiliar profissionais da educação a trabalhar o assunto em sala de aula


Por Letícia Barbosa


IP, personagem em stop motion. Reprodução MultiHlab
IP, personagem em stop motion. Reprodução MultiHlab


É muito provável que você já tenha ouvido falar em Inteligência Artificial ou IA. A ferramenta tecnológica, que antes era comum apenas ao contexto dos profissionais de programação ou de projetos de grande investimento, hoje está disponível na palma da mão. A facilidade de realizar algumas tarefas por meio da tecnologia, entretanto, veio acompanhada da manipulação da verdade, o que tem gerado amplas discussões a respeito de sua utilização.


O cenário faz o letramento digital cada vez mais necessário, e a escola pode ser uma grande aliada nessa missão. É isso que propõe o Jogo de Camadas, projeto encabeçado pela doutora em comunicação e pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), Viviane Toraci, junto ao Laboratório Multiusuários de Humanidades (MultiHlab) do qual é coordenadora. A proposta que está no ar desde o início de 2025 traz uma exposição virtual sobre a manipulação de imagens com intuito conscientizador.


Jogo de Camadas 


Composta por dois vídeos, uma linha do tempo e um mapa mental, Jogo de Camadas demonstra como as fotografias e vídeos foram modificadas ao longo do tempo e como  esse processo tem se intensificado com os avanços tecnológicos.


“A ideia é mostrar que não podemos confiar totalmente no que estamos vendo no vídeo; na imagem como o espelho do real. Nunca foi. A imagem técnica nunca foi espelho do real. É preciso estar pronto para buscar formas de verificar aquela informação”, explica Viviane. 

A pesquisadora revela que o impulso para a iniciativa veio da demanda apresentada por professores e professoras da educação básica vinculados ao Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (ProfSocio), no qual leciona. Os profissionais relatam as dificuldades de lidar com temas como desinformação e  propagação de inverdades em sala de aula. “Nós [MultiHlab] fomos pensando em experimentar algumas linguagens que poderiam produzir materiais que auxiliassem os professores nessa discussão”, conta ela. 



Personagem IP. Reprodução MultiHlab
Personagem IP. Reprodução MultiHlab

O trabalho começou com uma experimentação em stop motion. A equipe do MultiHlab deu à luz ao Internet Protocol, ou IP, um personagem que combate o fantasma das fake news. Logo depois, a professora e os bolsistas decidiram explorar outras plataformas e desenvolveram uma proposta de linha do tempo que conta como a manipulação da imagem não é um recurso novo. Viviane relata que o projeto sempre trabalha na perspectiva de como um conteúdo pode ser levado para sala de aula, unindo a didática dos professores aos aparatos tecnológicos. “A ideia é associar aquele conteúdo pedagógico que a pessoa tem que trabalhar com algum recurso digital, de letramento digital com uma perspectiva científica”, afirma.


Já o vídeo Tecnologias da Virada foi desenvolvido inicialmente para o Rec’n’play, evento de tecnologia e inovação promovido anualmente no Recife. Uma vez pronta, a animação passou a integrar também o Jogo de Camadas. Na proposta, é possível observar pela fotografia modificada por inteligência artificial as mudanças entre os séculos 20 e 21; isto é, sendo alterada,ganhando camadas, e tornando-se uma nova imagem.


Por fim, a exposição conta com um mapa mental que traz as principais plataformas e aplicativos que utilizam IA como ferramenta para ações diversas, como produção textual e criação de imagens e sons.


Viviane revela que o próximo passo é transpor a exposição para fora do meio virtual e levá-la para escolas e outros espaços educativos. A ideia é que o material seja exposto de forma itinerante, acompanhado de uma oficina de produção de imagens a partir de IA. A experiência não é nova para a equipe do MultiHlab. Em 2023, a exposição virtual O sinal está entre nós, também com o tema da tecnologia em foco, circulou por equipamentos culturais da Fundaj e chegou a ocupar a Bienal do Livro.


Inclusão digital e combate à desinformação



Reprodução Multihlab
Reprodução Multihlab

O projeto Jogo de Camadas nasce em um momento em que o mundo debate amplamente questões como desinformação e utilização ética das novas tecnologias. Internacionalmente, a Meta, responsável pelo Facebook, Instagram e Threads, anunciou modificações nas políticas de suas redes, como o encerramento do programa de checagem de fatos, formato parecido do adotado pelo X, antigo Twitter.


Meses antes, perfis inteiramente construídos e administrados por inteligência artificial foram identificados por usuários, intensificando os questionamentos sobre segurança de dados.


No Brasil, o Projeto de Lei N° 2.630/20, conhecido como ‘PL das fake news’, do senador Alessandro Vieira (Cidadania/ SE), prevê o estabelecimento de normas de transparência para redes sociais e serviços de mensagens privadas e a responsabilização das plataformas pelo combate à desinformação. A proposta, entretanto, permanece sem tramitação desde maio de 2023. 


Prestes a celebrar onze anos em abril de 2025, o Marco Civil da Internet também está na pauta dos parlamentares. O Supremo Tribunal Federal (STF) julga a constitucionalidade do Artigo 19, que estabelece a responsabilização das plataformas apenas se promulgada judicialmente. Após interrupção no dia 18 de dezembro de 2024 por solicitação do ministro André Mendonça, o julgamento deve ser retomado nos próximos meses. 


Neste cenário, o trabalho do MultiHlab aparece como atual e convida a comunidade escolar para discutir o assunto.

“A exposição em si não fala de técnicas de verificação, isso seria o papel do professor, seria o papel da oficina, dar continuidade à discussão. É uma provocação, uma possibilidade do professor abrir o site em sala de aula e usar como o momento de abertura para dali vir a conversar com os alunos”, explica Viviane. 

Partindo do contexto da educação, a pesquisadora defende que não há como fugir das novas tecnologias, porém é imprecíndivel aprender a lidar com elas de forma ética e criativa. “Será que o aluno usando inteligência artificial não está fazendo seu trabalho? Está sim! Ele vai ter que saber o que é que vai pedir à plataforma, ele vai ter que pegar o resultado do que ela criou. Ele imagina uma coisa na sua mente e tenta construir um prompt. A IA nem sempre entende imediatamente, então, é preciso testar várias vezes. É um processo de construção, criação”, completa.


Para Viviane, marcos legislativos têm sido fortes aliados nessa movimentação. A Política Nacional de Educação Digital (PNED), sancionada em janeiro de 2023 pela Lei N°14.533, por exemplo, visa potencializar políticas públicas direcionadas ao acesso a ferramentas digitais, principalmente de populações mais vulneráveis. A PNED destaca como eixos a inclusão digital, a educação digital escolar, a capacitação e especialização digital e a pesquisa e desenvolvimento em Tecnologias da Informação e Comunicação. Já em janeiro deste ano, a Lei n.º 15.100 decretou a proibição do uso de celulares, tablets e outros dispositivos eletrônicos portáteis nas escolas. A medida abre exceção para uso desses aparelhos com o objetivo pedagógico com orientação de professores.


A pesquisadora acredita que a nova lei pode funcionar como incentivo para que os gestores invistam na infraestrutura necessária para garantir o acesso aos recursos digitais.


“É preciso ter computadores e conexão com a internet nas escolas, e não exigir que o aluno tenha celular, tenha condições financeiras de manter os dados. O celular pessoal é para deixar em casa. A escola deve prover o tablet, a escola tem que prover o computador com a internet boa, porque produção intelectual hoje não existe sem computador e sem internet. Como é que eu vou implementar a Política Nacional da Educação Digital? Com infraestrutura digital dentro da escola”, argumenta. 

A exposição Jogo de Camadas pode ser conferida no site jogodecamadasexpo.wixsite.com. Para acompanhar as próximas etapas do projeto, siga @multihlab no instagram.

 

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