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Edição da foto: Túlio Velho Barreto

Política e

Cidadania

Editor temático: Túlio Velho Barreto

nº 13 | 27 de julho de 2020

Eleições municipais e pandemia: impactos da crise sanitária no cenário político 

Túlio Velho Barreto 

As eleições municipais deste ano ocorrerão pela primeira vez sob os impactos de importantes mudanças na legislação eleitoral, como, por exemplo, a proibição do financiamento por pessoas jurídicas e das coligações partidárias nas disputas proporcionais. Além disso, no contexto da atual pandemia provocada pelo novo coronavírus, houve mudanças significativas definidas a partir da promulgação da Emenda Constitucional nº 107 (EM 107/2020), pelo Congresso Nacional, que alterou o calendário eleitoral, entre outras medidas. Aqui, abordarei tais mudanças, provocadas, por um lado, pela nova legislação e, por outro lado, pela crise sanitária em curso, além de alguns de seus impactos mais nítidos no cenário político-eleitoral deste ano. 

Eleições ainda mais imprevisíveis

 

Diante desse quadro, as eleições municipais de 2020 no Brasil tornaram-se as mais imprevisíveis desde a redemocratização de meados dos anos 1980, quando voltaram a ser realizadas as eleições para estâncias hidrominerais, municípios com usinas e fronteiriços, até então suspensas pela ditadura militar instalada no País em 1964. Em condições normais, a essa altura de um ano eleitoral, os partidos e as coligações partidárias majoritárias já teriam definido os candidatos a prefeito e a vereadores, e as próprias convenções estariam ocorrendo. E teríamos mais pesquisas de intenção de votos a servir de ponto de partida para as nossas análises. Mas, com a pandemia em curso sem ter sequer ainda alcançado o pico no Brasil, e sem muitas certezas de quando isso deverá ocorrer, do ponto de vista das eleições municipais, estas ficaram, estão e tenderão a ficar mesmo fora do foco da maioria da mídia e das atenções e preocupações de parte significativa da população também no segundo semestre. 

 

Com efeito, o acompanhamento dos desdobramentos da pandemia tem ocupado os noticiários nacionais e locais em função do seu alcance e impacto. Assim como os governos federal e estadual, o poder municipal tem sido chamado a se posicionar e a tomar medidas concretas no combate à pandemia. Isso tem contribuído para uma maior dispersão das iniciativas dos atores políticos relacionadas às eleições, em um ano de disputas, em todo o primeiro semestre de 2020. E tem mesmo contribuído para desviar o foco dos temas que costumam estar presentes em eleições municipais, como problemas relacionados à oferta universal e de boa qualidade de serviços básicos à população, como segurança, educação, transporte, habitação, etc. 

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Tribunal Superior Eleitoral.  Foto: Reprodução da Internet.

Senado Federal aprova mudanças nas eleições municipais de 2020 em sessão virtual.  Foto Reprodução da Internet

Por outro lado, se não bastasse uma crise sanitária sem precedentes, atravessamos desde 2016, pelo menos, as maiores crises política e institucional da atual quadra democrática, estando a própria democracia, inclusive, ameaçada, colocada em xeque, em especial após a posse de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão em 1º de janeiro de 2019. Evidentemente, tivemos outras importantes crises políticas em nossa história, mesmo nesse período que se convencionou chamar de 'Nova República'.  Tais crises têm sido recorrentes no País e parecem configurar problemas estruturais no nosso quadro político. Mas, com efeito, nunca houve tantos questionamentos e ameaças ao poder Legislativo, em especial ao Congresso Nacional; ao poder Judiciário, nesse caso centradas em sua instância máxima, o Supremo Tribunal Federal (STF); e ameaças pessoais aos políticos e ministros, respectivamente, que os comandam. 

 

Foi, portanto, nesse contexto, de forte crise sanitária e de crises política e institucional, e dos inúmeros e graves problemas resultantes do comportamento e das iniciativas dos mandatários federais, que as eleições municipais foram lançadas para o segundo ou até mesmo o terceiro plano. E uma das consequências mais palpáveis foi a decisão do Congresso Nacional, em consonância com a Justiça Eleitoral, de adiar as eleições para novembro deste ano, como medida prudente e necessária para atender ao distanciamento social em tempos de pandemia. 

 

Antes de tratar de cenários e impactos, a seguir, destacarei as principais mudanças operadas no calendário eleitoral a partir da EC 107/2020, em atendimento ao que pré-determina a Constituição Federal. A Proposta de Emenda Constitucional (PEC), originaria do Senado Federal, que deu origem à referida EC, foi votada no Senado em 23 de junho e na Câmara Federal em 1º de julho. Ressalve-se que, nesse caso, seu efeito é imediato, pois prescinde de sanção do presidente da República.


 

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Possíveis impactos dessas mudanças nas disputas municipais

 

A essa altura, podemos afirmar que o adiamento das eleições municipais de 2020, por si só, já contraria o comportamento e a forma de encarar a pandemia do próprio presidente da República, que a tem ignorado e não tem respeitado as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), e do próprio Ministério da Saúde, quanto ao uso de máscara e ao distanciamento social. Como se tem acompanhado desde o início da pandemia no País, o presidente da República vem participando de atos públicos em ambientes fechados, bem como de manifestações de rua, sem respeitar tais recomendações, inclusive apertando mãos de apoiadores e os abraçando. Ao desdenhar da pandemia e de suas consequências, o presidente tem se oposto a maior parte dos atuais governadores e muitos prefeitos. Portanto, tal fato poderá ter efeitos nas disputas municipais deste ano, dependendo principalmente do que ocorrer até novembro em termos de óbitos, por exemplo, provocados pelo novo coronavírus. 

 

Chamar a atenção para isso é importante porque entendo que, pelo menos por ora, há uma forte tendência de nacionalização dos debates eleitorais, criando uma oposição entre aqueles que apoiam a gestão Bolsonaro-Mourão, sobretudo as suas atitudes diante da crise sanitária em curso, aos que têm se oposto a ela, em particular nos aspectos que envolvem a pandemia. Em especial nas grandes cidades, o que inclui as capitais e os municípios de regiões metropolitanas, as eleições podem se tornar, então, plebiscitárias, isto é: um voto contra ou favor do governo federal, contra ou favor de Bolsonaro-Hamilton, e sua política de enfrentamento à pandemia. 

 

Outro aspecto a observar é quanto à possibilidade de haver um crescimento na abstenção em relação às eleições passadas. De fato, dependendo de como for organizada a votação, o que pode incluir a ampliação dos dias de votação e a dispensa do uso da biometria, entre outras medidas, a tendência será o crescimento da abstenção, ampliando-a ainda mais em relação a outros pleitos. Agora, muitos poderão ficar com receio de comparecer às urnas, principalmente quem está em grupo de risco. E sabemos que o ônus do não comparecimento é baixo em termos dos custos financeiros. Mas, igualmente, porque uma eventual ausência será mais do que nunca justificável dependendo do cenário imposto pela continuidade ou não da crise sanitária. A própria Justiça Eleitoral está atenta a tal situação e declarações recentes do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apontam na perspectiva de essa ser mais suscetível à ausência de eleitores e eleitoras para votar

 

A continuidade da crise sanitária deverá afetar também a campanha eleitoral. E por razões que devem parecer óbvias. Ademias, não se poderá fazer o uso do contato pessoal com o eleitor e a eleitora, quer seja no tradicional corpo a corpo ou em reuniões presenciais. A campanha deverá, então, migrar para os espaços virtuais, propiciados pelo uso mais intensivo das redes sociais, por meio da internet. O que já era uma tendência, com a crise sanitária, deve se ampliar ainda mais. De fato, a pandemia já tem feito com que as redes sociais e a internet sejam praticamente os únicos meios usados para que as pessoas se comuniquem, qualquer que seja a área em que atuam, com todas as restrições que isso tem implicado. Pois, como sabemos, no Brasil, há uma enorme desigualdade quanto ao seu acesso e uso.  

 

O dinheiro para o financiamento das campanhas também deverá estar mais escasso em função da crise econômica resultante dos efeitos colaterais da pandemia, o que implicará em menos recursos para a propaganda eleitoral obrigatória no rádio e na televisão, e eventualmente nas ruas. Mas, talvez, se poupe com a confecção mais tímida dos chamados 'santinhos'. Provavelmente, o seu uso seja mais intenso apenas no(s) dia(s) das eleições. Mas, aí, já há restrições para a sua distribuição, segundo a legislação eleitoral vigentes antes das mudanças determinadas pela EC 107. 

 

Assim, tal fato tenderá a contribuir para que os partidos e os candidatos usem mais as redes sociais, em particular, e a internet, de modo geral, para fazer as suas campanhas. Nos municípios menores isso talvez não seja tão efetivo, porque o uso e o acesso a essas tecnologias são mais limitados, o que só vem a acentuar ainda mais as já tão profundas desigualdades sociais e econômicas. Porquanto, poderão contribuir para um maior distanciamento dos eleitores e eleitoras dos candidatos.

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Coreia do Sul tem eleições durante a pandemia. Fotos: Reproduções da internet

Finalmente, a essa altura, e pelas razões expostas até aqui, ou seja, o pouco debate eleitoral, o distanciamento social entre os candidatos e os eleitores e eleitoras, as crises em curso, é necessário reconhecer que está sendo igualmente mais difícil apontar para o tipo de candidato que se beneficiará de sua condição: se o candidato que represente uma novidade na disputa ou aquele que já possui ‘recall’, isto é, aquele que se beneficiará por ser conhecido de outras disputas eleitorais. 

 

De toda forma, devemos levar em consideração em que posição estarão quaisquer desses candidatos em relação ao governo federal, como resultado do desgaste que a gestão Bolsonaro-Mourão enfrenta, e que, no meu entendimento, tenderá a se agravar até novembro. É certo que Bolsonaro e Mourão ainda gozam do apoio de um eleitorado mais fiel. Contudo, como têm apontado as pesquisas dos institutos de opinião o apoio mais incondicional tem diminuído. E se consideramos que há uma tendência real de nacionalização do debate eleitoral na disputa municipal que se avizinha, então, tal fato deverá impactar a campanha, com foco na crise sanitária, e o resultado do pleito. 

 

Nesse sentido, é importante destacar que antes da supracitada EC ser promulgada deputados e senadores da base de apoio do governo federal tentaram emplacar a prorrogação dos atuais prefeitos e vereadores para que houvesse coincidência no calendário eleitoral. Ou seja, para que em 2022 ocorressem eleições gerais no País, regra que passaria a prevalecer permanentemente. Por trás dessa proposta estava o receio dos impactos das crises em curso, sobretudo a crise sanitária, no resultado eleitoral, na medida em que o debate de questões nacionais venha a contaminar o debate local. E não qualquer convicção de que a mudança proposta significasse um aperfeiçoamento no arranjo institucional ou, por assim dizer, na qualidade de nossa democracia.  

 

Por outro lado, segundo informações da mídia, a aprovação da PEC, transformada na EC 107, resultou em acordo do presidente da Câmara Federal com lideranças do chamado ‘baixo clero’ ou ‘centrão’, composto principalmente por deputados federais acostumados à prática do que se convencionou chamar de ‘toma lá dá cá’, isto é, barganhar vantagens em troca de apoio político. O acordo envolveu a aprovação de emendas, ainda não aprovadas, que destinem mais recursos para os municípios no combate à pandemia numa tentativa de minimizar os impactos negativos da crise sanitária sobre as atuais administrações locais.

 

Por tudo que foi exposto, voltamos ao que foi inicialmente afirmado: as eleições municipais de 2020 tornaram-se as mais imprevisíveis dos últimos 35 anos, pelo menos. E, já vencida a primeira metade do ano, os prognósticos e os cenários ainda estão longe de serem desenhados com mais nitidez e precisão.  

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Túlio Velho Barreto é cientista político e pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) com livros e artigos científicos e de opinião publicados sobre história política, eleições e partidos políticos no Brasil.  

O AUTOR


COMO CITAR ESSE TEXTO

BARRETO, Túlio Velho. Eleições municipais e pandemia: impactos da crise sanitária no cenário político. (Artigo). In: Coletiva - Política e Cidadania. Publicado em 27 jul. 2020. Disponível emhttps://www.coletiva.org/politica-e-cidadania-n13-eleicoes-municipais-e-pandemia-impactosda-crise-sanitaria-por-tulio-ve. ISSN 2179-1287.

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