Os dados apresentados aqui derivam dos projetos de pesquisa: a) “Violência por professores e professoras na voz de suas vítimas: uma estrutura do habitus profissional em professores brasileiros”, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e b) “O que alunos dizem sobre a participação, ou não, de professores na produção do fenômeno violência em meio escolar: buscando a complexidade da constituição do fenômeno”, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Contudo, meu investimento no tema “violência da escola” se inicia em 2009, quando percebo que desde 2003 as histórias de escolarização produzidas por alunos que cursam a disciplina Didática II (quinto semestre) do Curso de Pedagogia oferecido pela Faculdade de Ciências e Letras – Campus/Araraquara/UNESP (Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho) trazem informações sobre violências – por professores contra alunos -, ocorridas durante a escola básica, período que é tratado na referida atividade autobiográfica.
O objetivo das histórias é possibilitar um momento autoformativo sobre o trabalho docente/didática, a partir da memória que os alunos trazem sobre as práticas pedagógicas – e ou didáticas -, vivenciadas antes de ingressarem no curso de Pedagogia, com vistas a fazer um tipo de mapeamento das “práticas pedagógicas” experimentadas por esses futuros professores, com um olhar prospectivo para a futura atuação docente.
Em nenhum momento da preparação de tal atividade há referências à violência em espaço escolar e ou sobre violência da escola. As perguntas provocadas pelas histórias, dentre outras, foram: o que a produção sobre o tema violência em espaço escolar traz sobre essa violência particular? Quais os tipos de violência cometidos por professores contra alunos? Quais as razões básicas da produção da referida violência? Quais as consequências para os alunos? A partir delas venho desenvolvendo, com meus orientandos, diferentes pesquisas sobre violência da escola na modalidade: violência por professor contra aluno.
O primeiro procedimento foi buscar informação sobre o que a produção brasileira dizia sobre violência por professor contra aluno. Para isso, um levantamento foi realizado cujo ponto de partida foi o texto de Marilia Pontes Sposito intitulado “Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil” (2001). Nesta fonte, observou-se que de 1980 a 1998 haviam sido produzidas inúmeras pesquisas – dissertações e teses em Programas de Pós-Graduação em Educação -, mas raríssimas diziam respeito à violência em espaço escolar.
Então, o campo educacional brasileiro, no período em questão, não andou muito preocupado com a temática violência, durante dezoito anos. Isso causou muito estranhamento quando as histórias de escolarização apontavam que sete gerações – que nasceram e viveram parte desse período - diziam que professores cometiam violência contra alunos.
Um outro levantamento foi necessário: o que o campo educacional produziu de 2001 a 2009 sobre violência em espaço escolar? Este levantamento resultou na localização de 127 trabalhos integrais – dissertações e teses – que investigaram violência em espaço escolar. E apenas 11 pesquisas desse grupo diziam respeito especificamente à violência por professor contra aluno. Na conclusão, não se pôde deixar de fazer a seguinte pergunta: por que há tão poucas pesquisas sobre violência por professor contra aluno na produção educacional?
Sobretudo, porque havia número significativo de pesquisas sobre violência por aluno contra professor. E quando neste grupo de investigações havia pesquisa sobre violência por professor contra aluno a culpa era do aluno: foi ele quem cometeu primeiro a violência e o professor, para se defender, também respondeu com violência. Enfim, o aluno, além de ser o que mais cometia, ainda era responsável pela violência cometida pelo professor contra ele.
A partir de tal constatação, o procedimento foi de encontrar a categoria mais adequada para investigar a violência cometida por professor contra aluno. O pesquisador francês Bernard Charlot, em seu texto “Violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão” (2002), ofereceu uma possibilidade. Para ele, a violência em espaço escolar ocorre em três modalidades: violência à escola, violência na escola e violência da escola.
Meu interesse voltava-se para a violência da escola: aquela cometida por agentes escolares como gestores, professores e funcionários em geral contra o aluno, quer seja na relação social entre tais agentes e os alunos, quer seja quando a violência se dá por meio de regras que esses agentes impõem aos alunos cujo objetivo é a “ordenação” das escolas.
Contudo, a fonte reconhece que essas categorias estão sempre entrelaçadas. É com esta ressalva que venho utilizando-a. Fundamentalmente, são as pesquisas informadas no primeiro parágrafo deste texto que respondem pelos dados sobre quem comete violência da escola, os tipos das violências e as consequências para os alunos.
Professores da escola pública e privada cometem violência contra alunos. Os tipos: violência física, violência verbal, e violência física/verbal. As violências físicas ocorrem por meio de puxões de orelhas, tapas, beliscões, reguadas e/ou apagadores, giz e outros objetos escolares atirados no aluno. Há um caso, na Educação Infantil, em que a professora enfiou uma vassoura na boca da criança que não parava de chorar. As verbais são xingamentos cujo conteúdo é a etnia do aluno, a classe social à qual ele pertence e seu modo de apreender os conteúdos curriculares.
Sobre tal modo, que se denomina dificuldade de aprendizagem, na maioria das vezes não se trata de dificuldade, mas sim do momento de aprendizado de qualquer conteúdo por qualquer pessoa. Alunos negros sofrem mais violência do que alunos brancos. E as alunas negras e brancas sofrem mais violências do que alunos negros e brancos. Isto é: as mulheres sofrem mais violência e os homens sofrem menos. Alunas negras sofrem mais violência do que alunas brancas, alunos negros e alunos brancos.
A mulher negra é a que mais sofre violência. Neste caso, a estética – como um todo -, é a mais atacada e usada, sobretudo quando se trata de violência verbal. A violência física/verbal é quando ocorre violência física e verbal na mesma ação. Mas a violência que é robustamente recorrente é a verbal e se configura como violência simbólica, conceito desenvolvido pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu em sua obra “O poder simbólico” (2010).
É no jogo provocado pela violência simbólica que a violência é naturalizada no âmbito da sala de aula. Os alunos também não reconhecem as ações violentas de professores, mesmo quando são, e dizem que a culpa é do aluno. Nos estudos que venho desenvolvendo está claro que essa naturalização utilizada pelos alunos é também utilizada pelos professores e o culpado sempre é o aluno. Dando a entender que se o aluno não cometer nenhum ato de violência o professor também não cometerá! Mas, os dados que minhas pesquisas trazem evidenciam que professores cometem violência contra alunos quando ele, o aluno, não provocou o professor.
A violência física ocorre mais na Educação Infantil e no Ensino Fundamental Ciclo I, e se concentra na faixa etária dos oitos anos. É nesse período que também ocorre violência verbal/física. A violência física nos respectivos tipos vai desaparecendo à medida que os níveis de ensino vão se elevando, o que estabelece relação direta com a idade dos estudantes que também vai aumentando. Será que essa violência que o aluno sofre quando ainda é indefeso – verbal e fisicamente -, não é retribuída ao professor quando o aluno está no Ensino Fundamental Ciclo II e Ensino Médio e já está um homem e ou uma mulher?
De onde vem o ódio do aluno pelo professor, já que ele, o aluno, na maioria dos estudos sobre violência em espaço escolar, aparece como um violento agressor de seus professores? Será que estaria também na história escolar pregressa desse aluno um histórico de violência vivida e testemunhada dentro da sala de aula durante o processo de ensinar e de aprender quando o aluno ainda é “pequeno”, que é retomado quando o aluno já é um adulto?
Faz sentido fazer principalmente essa pergunta, porque nas histórias de escolarização produzidas por futuros professores de 2003 a 2015, e não mais até 2009 (início de meu interesse pelo tema em questão), há evidências da força rígida com que os episódios violentos são guardados pela memória, quer seja como vítima, quer seja como testemunha.
Por fim, os sentimentos causados pela violência do professor contra os alunos são: medo, humilhação e vergonha. O mais reincidente é o medo. Será que esse medo estrutural do aluno pelo professor não é um significativo elemento estruturador da violência que o aluno comete contra o professor quando ele já não é mais criança e não tem apenas oito anos de idade? Não estou procurando nem algozes nem vítimas, mas sim a constituição da violência em espaço escolar, com o objetivo de a clareza de sua constituição possibilitar saídas eficazes.
PARA SABER MAIS
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 14. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.
CARDIA, Nancy (Coord.). Pesquisa nacional, por amostragem domiciliar, sobre atitudes, normas culturais e valores em relação à violação de direitos humanos e violência: Um estudo em 11 capitais de estado. São Paulo: Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, 2012. Disponível em:<http://www.nevusp.org/downloads/down264.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2016.
CHARLOT, Bernard. Violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Sociologias, Porto Alegre, n.8, p.432-443, jul./dez. 2002. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151745222002000200016&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 22 mar. 2016.
DINIZ, Julia Elaine. Violência por professores e professoras na voz de suas vítimas: uma estrutura do habitus profissional em professores brasileiros. São Paulo: Fapesp, 2012. Relatório de pesquisa para FAPESP processo nº 2010/11054-6.
SCARLATTO, Elaine Cristina; SILVA, Marilda da. A violência cometida por professores/as em escolas brasileiras: uma face do lado sombrio da cartografia escolar brasileira. In: CONGRESSO LUSO AFRO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 11., 2011, Salvador. Anais… Salvador: CONLAB, 2011. Disponível em: <http://www.xiconlab.eventos.dype.com.br/resources/anais/3/1307141352_ARQUIVO_SALVADOR_2011.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2016.
SILVA, Adriele Gonçalves da. Violência por professores e professoras na voz de suas vítimas: uma estrutura do habitus profissional em professores brasileiros. São Paulo: Fapesp, 2011. Relatório de pesquisa para FAPESP processo nº 2010/11054-6.
SILVA, Marilda da. Violência por professores e professoras na voz de suas vítimas: uma estrutura do habitus profissional em professores brasileiros. São Paulo: FAPESP, 2011. Relatório de pesquisa para FAPESP processo nº 2010/11054-6.
______. A violência da escola na voz de futuros professores. São Paulo: FAPESP, 2012. Relatório de pesquisa para FAPESP processo nº 2010/11054-6.
______; CARVALHO, DeisianeNarry Souza. O que alunos dizem sobre a participação, ou não, de professores na produção do fenômeno violência em meio escolar: buscando a complexidade da constituição do fenômeno. São Paulo: CNPq, 2014. Relatório de Pesquisa para o CNPq processo nº 401083/2011-0.
______. A violência da escola na voz de futuros professores: uma probabilidade da produção da cultura da violência em ambientes escolares? Educar em Revista, Curitiba, n. 49, p.339-353, jul. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/er/n49/a19n49.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2016.
SPOSITO, Marilia Pontes. Um breve balanço da pesquisa sobre violência escolar no Brasil. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 27, n. 1, p.87-103, jan. 2001. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/ep/article/view/27856>. Acesso em: 22 mar. 2016.
A AUTORA
Marilda da Silva é doutora em Educação pela Universidade de São Paulo e pós-doutora em Estudos Comparados em Educação pela Universidade de Lisboa e em História da Educação Espanhola pela Universidade de Salamanca. Atualmente é livre-docente do Departamento de Didática da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Campus de Araraquara-SP. Tem experiência na área de Educação, atuando principalmente nos temas: formação de professores, didática, didática e formação de professores, ensino e aprendizagem em sala de aula, sala de aula e violência da escola, autobiografia e trabalho docente.
COMO CITAR ESSE TEXTO
SILVA, Marilda da. Violência da escola: quem comete, tipos e consequências. Revista Coletiva, Recife, n. 20, set.out.nov.dez. 2016. Disponível em: <https://www.coletiva.org/dossie-violencia-escolar-n20-violencia-da-escola-quem-comete-tipos-e-consequencias>. ISSN 2179-1287.