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Editorial

DOSSIÊ REFORMA DO ENSINO MÉDIO 

 

O Dossiê “Reforma do Ensino Médio” surgiu da necessidade de nos situarmos no processo de implementação do Novo Ensino Médio (NEM) que está acontecendo nos vinte e sete estados do Brasil, desde o início de 2022. A Educação Básica, que compreende a Educação Infantil, o Ensino Fundamental I e II e o Ensino Médio, passou por completa reestruturação, atendendo, prioritariamente, aos grupos políticos e econômicos que sequestraram a democracia no Brasil, com o golpe jurídico, parlamentar e midiático iniciado em 2014, logo após a reeleição da presidenta Dilma Rousseff, que culminou em seu afastamento, em 2016 e, posteriormente, com a eleição de Jair Messias Bolsonaro em 2018, que agravou o conturbado cenário político do país. 

Esses fatos estão ligados a uma complexa teia de ações dentro e fora do Estado, que envolveram profundas mudanças curriculares e estruturais das políticas públicas educacionais. Por isso, compreender os sentidos dessas mudanças; as consequências para o trabalho docente; para a formação das novas gerações; para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia; dos processos de produção, entre outros, tem sido uma tarefa árdua realizada por inúmeros/as pesquisadores/as, (alguns desses/as aceitaram escrever para este Dossiê). Contamos, ainda, com conversas, depoimentos e entrevistas com os/as docentes e pesquisadores/as da Educação Básica que trazem o dia a dia da implementação da reforma nas escolas em diferentes estados do Brasil.

Na construção do Dossiê, tivemos a honra de entrevistar o intelectual, educador, pesquisador e o principal especialista na área de Educação, Capitalismo e Trabalho, o Professor Gaudêncio Frigotto, que atualmente é professor adjunto da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-graduação em Políticas Públicas e Formação Humana, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Na entrevista, feita ainda em modo remoto, Frigotto conversou sobre a educação profissional, técnica e tecnológica, trazendo reflexões sobre as políticas públicas e o sentido da educação como formação humana. Destacou que “[...] a contrarreforma de 2016 [...] liquida o Ensino Médio como Educação Básica de forma brutal e desprepara e interdita, de forma profunda, a formação política e a formação, digamos, para o mundo do trabalho dessas gerações. Assim, a minha primeira impressão, eu sintetizaria da seguinte forma: essa reforma do Ensino Médio em curso é uma traição à atual geração e às futuras gerações, e as desprepara para o presente e para o futuro.”

A relação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) com a Reforma do Ensino Médio e o redesenho da política curricular e educacional ficam demonstrados no texto de Elizabeth Macedo, professora da UERJ, que esclarece sobre a virada simbólica, e muito profunda, da organização dos conhecimentos, componentes curriculares e/ou disciplinares, desde a mudança da chave de “direitos de aprendizagem” para a chave “competências e habilidades.” Ao desmontar a estrutura “direitos de aprendizagem” e “organização disciplinar dos conhecimentos”, abre-se para a estrutura “comportamental” e “organização nos eixos investigação científica; processos criativos; mediação e intervenção sociocultural e empreendedorismo.” Tanto na formação geral como na dos itinerários formativos, os conteúdos são substituídos por listas de competências e habilidades genéricas, além de ir em direção aos atributos de personalidade requeridos para uma sociedade sem regulação do trabalho e sem empregos formais.

Para essa operação de mudança radical nos sentidos das políticas educacionais, foi necessário alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDBEN) de 1996. No texto escrito por Monica Ribeiro, a professora da UFPR demonstra como a Reforma do Ensino Médio alterou a amplitude do que se entendia por direito à Educação Básica. Para isso, ela destaca a ampliação do acesso entre 1990 e 2004 e dos desafios diante dos mais de nove milhões de jovens que ingressaram no Ensino Médio. Com isso, desde 2004, várias políticas foram desencadeadas no sentido de garantir aos jovens estudantes o acesso aos conhecimentos. Porém, a atual reforma quebra esse ciclo virtuoso, deslocando o ensino para as parcerias público-privadas, flexibilizando o currículo, desmanchando as áreas de conhecimento e, no limite, negando uma formação densa às novas gerações.

Cassia Domiciano e Theresa Adrião demonstram as profundas mudanças no financiamento do ensino médio e do ensino  profissionalizante. No artigo, elas mostram como a reforma aperfeiçoa os modos de transferir recursos públicos para o setor privado, sobretudo na organização dos itinerários formativos, com a justificativa de que as escolas públicas não têm as condições e as expertises para realizar essa formação e de preparar os jovens para a variedade de especificidades do mundo do trabalho. Assim, altera-se o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) e quebra-se a espinha dorsal da compreensão de que o Ensino Médio é a última etapa da Educação Básica que deve ser obrigação e dever do Estado fornecê-la.

É importante lembrar que, há alguns anos, cresceu a campanha pela escola domiciliar colada às ações do Movimento Escola Sem Partido. São ações da sociedade civil que corroboram a privatização da educação. Mônica Monteiro em seu texto, esclarece como a educação integral é criticada e a educação domiciliar é exaltada.  Essa insistência de alguns grupos que criticam a escola pública e sua natureza política demonstra a força do pensamento neoliberal disseminado e transformado em movimentos sociais antidemocráticos, como sintomas da atual fase do capitalismo.

Todos esses movimentos e ações da sociedade civil e do Estado se constituem em embates contínuos e acirrados, conforme Marcia Ângela S. Aguiar indica sobre a reação no campo da academia, dos docentes e dos pesquisadores em construir várias cartas e moções pedindo a revogação da Reforma do Ensino Médio, lideradas pela CONAPE, ANPED, CNTE, CUT e capitaneadas pelo Movimento Revoga já! Sem contar o movimento de ocupação das escolas pelos estudantes em 2016, lembra a professora e ex-integrante do Conselho Nacional de Educação (CNE).  

Suiany Carvalho Padilha analisa os efeitos da Reforma do Ensino Médio nos mestrados profissionais de ensino, voltados para a formação continuada dos professores. Esses mestrados têm se constituído em um espaço de reflexões sobre os currículos da educação básica e do ensino médio. Deste modo, esses mestrados reagirão e terão que enfrentar as novas configurações dos conhecimentos, das áreas e da vida dos docentes no cotidiano das escolas.   

O Dossiê é complementado com uma reportagem especial, conduzida pela jornalista Marcela de Aquino Bezerra Silva, bolsista da Coletiva. Nela, vê-se que os diagnósticos de Frigotto e das autoras dos artigos ficam evidenciados por meio dos depoimentos e análises de professores/as egressos/as do Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional (ProfSocio) e atuantes no Ensino Médio. São docentes e pesquisadores/as do Norte, Nordeste, Sudeste e Sul que partilham como esse desmanche curricular e a mudança de função da escola pública afetam os/as estudantes, as escolas e as carreiras dos/as professores/as. A partir desta seção, podemos ler as entrevistas transcritas e os infobox, conhecendo de perto o drama das perdas, mas também as possibilidades de reações e resistências. 

Participam da reportagem os docentes José Wilton Ramos, que leciona Sociologia na Escola de Tempo Integral em Campina Grande (PB);  Ana Beatriz Maia Neves, do Colégio Estadual Antônio Prado Júnior, localizado na região da Tijuca, e do Instituto de Educação Professor Ismael Coutinho, primeira instituição pública secundarista na América Latina, situada em Niterói (RJ); Mônia Cavalcanti de Souza,  professora de língua portuguesa da EREM Professor Cândido Duarte, (PE); Darlan Gardunho, que leciona na Escola Municipal de Ensino Fundamental Professora Oscarina Santos, na Ilha de Marajó e na Escola Municipal Vereador Cândido Lopes de Oliveira, em São Domingos do Capim, na modalidade EJA, no Pará; William Marques Dias, professor de Sociologia e coordenador de área na Rede Pública de Ensino de São Paulo, na região de Presidente Prudente; Fabiana Miyuki Yamamoto, professora e coordenadora pedagógica da Rede Pública da periferia de Londrina (PR) há seis anos; Rogério Nunes, professor de sociologia leciona em duas escolas de Londrina (PR), na região mais central, no Colégio Estadual José de Anchieta e na periferia da cidade, no Colégio Estadual Ubedulha Correia Oliveira, onde também foi estudante há 20 anos atrás, é, além disso, dirigente sindical na APP-Sindicato do Paraná. 

 

O Dossiê “Reforma do Ensino Médio” começou a ser planejado e preparado em um contexto político completamente imprevisível e adverso. Ou seja, de total indefinição quanto aos rumos que o país poderia tomar a partir da eleição presidencial de outubro de 2022. Naquele momento, estavam colocadas no horizonte duas perspectivas bem distintas: por um lado, a inevitável continuidade ou mesmo o aprofundamento da execução da política educacional em curso desde 2016, conforme analisada nos artigos aqui listados; e, por outro lado, a possibilidade de revisão ou mesmo revogação dessa política nos moldes das experiências vivenciadas antes de 2016, com a sociedade civil organizada retomando o seu protagonismo. Assim, esperamos que o Dossiê não seja lido apenas como mais uma crítica ao modelo excludente e elitizante contido na atual Reforma do Ensino Médio. Mas, sobretudo, como parte de um diagnóstico necessário em que já se apontam caminhos a serem retomados a partir da posse do novo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em 2023. Os desafios são enormes, mas estamos motivados e dispostos a contribuir nesse processo.  

Ileizi Fiorelli Silva

Ana de Fátima P.de Sousa Abranches

Túlio Velho Barreto

OS EDITORES 

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Ileizi Fiorelli Silva é licenciada em Ciências Sociais pela UEL, doutora em Sociologia pela USP. É professora Associada na UEL, docente do Programa de Pós-graduação em Sociologia e do Mestrado Profissional de Sociologia (PROFSOCIO/UEL). Coordenadora do Laboratório de Ensino, Pesquisa e Extensão de Sociologia (LENPES).

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Ana de Fátima P. de Sousa Abranches é licenciada em Pedagoga pela UFPE. Doutora em Educação pela UFPE. Analista em Ciência e Tecnologia (Pedagoga) da Fundação Joaquim Nabuco. Professora e Vice- coordenadora do Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional- Fundaj. Integrante do Grupo de Pesquisa Laboratório de estudos sobre Educação no Nordeste. Vice-Diretora da Associação Nacional de Políticas e Administração da Educação, seção Anpae/Pernambuco no biênio 2019/ 2021 e no biênio 2021/2023. Coordenadora do PIBIC Ensino Médio (CNPq/Fundaj).

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Túlio Velho Barreto é graduado em Ciências Sociais e mestre em Ciência Política, ambos pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). É pesquisador e docente do Mestrado Profissional em Rede Nacional de Sociologia (PROFSOCIO), da Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ), onde atua desde 1984. Foi Coordenador Geral de Estudos Sociais e Culturais da Fundaj entre 2012 e 2014. 

Expediente

Edição temática: Ileizi Fiorelli Silva, Ana de Fátima P. de Sousa Abranches e Túlio Velho Barreto | Editores executivos do dossiê: Ana de Fátima P. de Sousa Abranches e Túlio Velho Barreto | Editor-chefe: Allan Monteiro | Apoio editorial: Aline Cavalcanti, Marcela de Aquino e Mylena Galdino | Revisão: Mylena Galdino | Capa: Marcela de Aquino | Edição: Túlio Velho Barreto e Darcilene Gomes | Entrevista: Ana de Fátima P. de Sousa Abranches e Túlio Velho Barreto | Seção Especial: Marcela de Aquino | Artigos: Elizabeth Macedo; Mônica Ribeiro; Cassia Domiciano; Theresa Adrião; Mônica Monteiro; Márcia Ângela S. Aguiar e Suiany Carvalho Padilha.

APOIO
LABJOR/UNICAMP
REALIZAÇÃO
FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO
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