“No mínimo, diremos que o território é uma construção concomitante à emergência e, depois, à visibilidade social de um grupo, de uma comunidade ou de outros tipos de coletivo em que os membros podem utilizar um “nós” identificador. Ele é condição e expressão do vínculo social. Ele se constitui como momento de uma negociação, entre a população concernida e os que a rodeiam, que instaura continuidades nas trocas generalizadas. O território é memória. É marcação espacial da consciência histórica de estar junto”
(TARRIUS, 2005:34, tradução Patrícia Tavares)
Contemporaneamente, os territórios migrantes que perpassam os espaços urbanos das grandes cidades e regiões metropolitanas do Brasil constituem-se seja por compatriotas das mesmas comunidades étnicas ou nacionais, seja por meio de arranjos multiétnicos, a partir do compartilhamento de experiências comuns de deslocamentos, lazer e trabalho. Territorialidades tecidas, ao longo do tempo, pela circulação, criação e apropriação política, sociocultural e identitária dos migrantes em relação aos espaços urbanos nos quais passaram a viver.
As marcações espaciais que permitem perseguir seus contornos e linhas encontram-se dispersas, desconectadas, pontilhadas por entre espaços não contíguos nos centros urbanos de destino das migrações internacionais. Neste Especial, propomos revelar algumas das conexões possíveis entre essas marcações espaciais de pertencimento a partir das narrativas de seus protagonistas: os migrantes.
As imagens, trajetórias e experiências recolhidas, propõem, portanto, tessituras que refazem os sentidos afetivos que, nos deslocamentos cotidianos dos migrantes, os conectam entre si e com os outros (brasileiros e migrantes de outras origens). Conexões que permitem a afirmação de identidades, reivindicações e direitos, mas que também podem culminar em situações de preconceito e violência.
Territórios bolivianos na cidade de São Paulo e entre lá e cá
As migrações de bolivianos e bolivianas para São Paulo é antiga. Elas ocorrem desde, pelo menos, os anos 1950, momento de transformações políticas importantes na Bolívia com a “revolução de 1952” e a aproximação econômica e cultural com o Brasil, por meio da assinatura de uma série de acordos bilaterais. Nesse contexto e durante boa parte da segunda metade do século XX, a migração boliviana para São Paulo e sua região metropolitana foi composta, majoritariamente, por estudantes, profissionais liberais, asilados políticos e mulheres direcionadas para o trabalho doméstico e de cuidado de crianças e idosos.
A partir de meados dos anos 1980, inicia-se um novo fluxo migratório de bolivianos e bolivianas para São Paulo, bem mais intenso e contínuo. Diferentemente das migrações anteriores, trata-se de migração direcionada, principalmente, para um único setor econômico: a costura. Não se trata mais, em um primeiro momento, de fazer a vida em outro país, buscando se integrar às suas estruturas sociais, econômicas e culturais. Os bolivianos e bolivianas que saem da Bolívia para trabalhar na costura em outros países, muitas vezes tendo o percurso migratório financiado pelo responsável da oficina, são, em sua maioria, trabalhadores temporários.
A expressão “Por un tiempito nomás”, ouvida de maneira recorrente em resposta às indagações sobre o projeto que os levara a migrar, sintetiza a experiência projetada por esses migrantes. A migração para o trabalho na costura tampouco se restringe à capital paulistana. Essas migrações também podem se direcionar à Buenos Aires, na Argentina.
Dessa forma, as trajetórias dos migrantes da costura e suas jornadas temporárias de trabalho podem combinar, a partir de articulações diversas no interior das histórias individuais e familiares, São Paulo, Buenos Aires e os locais de origem na Bolívia. Paralelamente, a despeito dos projetos iniciais, uma parte dos migrantes acaba se instalando de maneira mais permanente nas cidades de destino.
Instalação que não necessita do domínio do português graças, justamente, à manutenção de intensa circulação entre lá e cá, mantendo vivos os hábitos culturais e linguísticos junto aos compatriotas que decidiram se estabelecer definitivamente no Brasil. Essa circulação, ao longo de quase três décadas, entre a Bolívia e as cidades de destino, associada ao constante adensamento da comunidade boliviana que passa a se estabelecer mais definitivamente resultam em um cenário sociocultural extremamente vivaz. Nas próximas seções, abordaremos algumas das faces dessa vivacidade e seus respectivos dilemas a partir da articulação entre as narrativas dos migrantes e as imagens de sua presença nos espaços de circulação e destino na cidade de São Paulo
A política dos lugares e o lugar da política
Estação da Luz e Avenida Paulista
“Onze horas da manhã de domingo e eles já começam a montar suas barracas ao redor da Praça Padre Bento, no centro do Bairro do Pari, região central de São Paulo. (...) Os bolivianos, com ou sem documento legal, estão chegando para o seu sagrado encontro dominical. São seis, sete, oito mil pessoas que passam por lá até o fim da festa, lá pelas 21horas, segundo cálculos do sargento Félix da Polícia Militar, 'Aqui é La Paz', ele diz (...). Os bolivianos adoram cerveja, não por acaso, a praça foi rodeada de bares para a imensa comunidade boliviana que vive em São Paulo e lá se apinha não só para matar a saudade de sua terra com seus conterrâneos, como para procurar emprego, trocar informações sobre documentos, arranjar um lugar para morar, receber orientação dos imigrantes veteranos, ganhar algum dinheiro na barraca (...). A feira ainda não regularizada pela prefeitura funciona ao redor da Praça.” Assim, a jornalista Célia Chalim detalha para a Folha de São Paulo em 2001, suas impressões da maior comunidade de migrantes do estado paulista.
As histórias contemporâneas de inserção e de circulação de bolivianos e bolivianas no espaço urbano dessa cidade é pontilhada por tensões e disputas. No final de 2001, os comerciantes bolivianos e bolivianas foram expulsos da Praça Padre Bento, com base em um abaixo assinado, realizado pelo Conselho Comunitário de Segurança, que recebeu a adesão de 2500 pessoas. Os frequentadores da praça, conhecida por abrigar ao longo de sua história migrantes provenientes dos mais diversos países de origem, denunciavam o hábito de consumo de bebidas alcoólicas e a transformação da praça em local de contratação de costureiros aos finais de semana.
A organização e a solidariedade da comunidade boliviana no enfrentamento às situações de violência e xenofobia possibilitaram a conquista de direitos no espaço urbano e com as instituições públicas. Após a expulsão, os comerciantes bolivianos e bolivianas estabeleceram uma associação informal para a busca de novos espaços urbanos em que pudessem desenvolver suas atividades econômicas e culturais. Poucos meses depois, no início de 2002, os migrantes lograram autorização para atuarem em uma praça próxima, na região do Canindé.
A Praça Kantuta foi o primeiro espaço conquistado com o objetivo de garantir a promoção da identidade sociocultural da comunidade boliviana na cidade. Além da feira gastronômica e das atividades de assistência e promoção da comunidade, a praça se tornou um espaço multisserviços (com o oferecimento de serviços de remessas, cabeleireiro etc) e um palco de manifestações culturais, torneios de futebol e comemorações religiosas da comunidade latina na cidade.
Atualmente, nas barracas de comidas e serviços que se estabelecem ao redor da praça, na locução da rádio local que anima o passeio, na organização das atividades comunitárias e nos grupos de danças folclóricas que ensaiam e se apresentam, encontramos personagens importantes da comunidade boliviana na cidade. Homens e mulheres que embora residam no Brasil há mais de uma década seguem em contato direto com a sua comunidade, auxiliando os recém chegados a se estabelecerem e contribuindo para a manutenção das singularidades culturais de seus compatriotas.
Nas entrevistas a seguir, realizadas, na Praça Kantuta, durante a produção desse Especial em parceria com Antônio Andrade, representante do Bolívia Cultural e da Tv Planeta América Latina, com o educador Miguel Anjo Saavedra e o locutor de rádio Emerson Pairumani Salcedo, entramos em contato com essa perspectiva dos que decidiram ficar no Brasil e, ao mesmo tempo, participar de maneira ativa da construção dos territórios bolivianos na cidade de São Paulo.
Feira Alasita, Praça Kantuta
Paralelamente, próximo à Kantuta, desenvolveu, de maneira silenciosa, outro processo de ocupação comercial e cultural da comunidade boliviana no espaço urbano paulistano. Trata-se da Rua Coimbra, na região do Bresser, próxima à estação de metrô de mesmo nome. Essa região da cidade era caracterizada, juntamente com o Brás e a Moóca, pela presença da comunidade italiana e onde se estabeleceram as primeiras aglomerações industriais no começo do século XX.
A Rua Coimbra foi, ao longo dos anos 1980 e 1990, um local de concentração de oficinas de costura bolivianas e coreanas, segundo os comerciantes da rua. Aos poucos, as oficinas foram se transformando em estabelecimentos comerciais voltados para a comunidade boliviana, de “boliviano para boliviano”. Armazéns para a venda de produtos trazidos diretamente da Bolívia, salões de cabeleireiro abertos durante todo o final de semana até altas horas da noite, bares com pista de dança, estabelecimentos para o envio de remessas, para a realização de chamadas telefônicas internacionais e, inclusive, para o abastecimento e regularização das oficinas de costura bolivianas.
Abaixo, reproduzimos duas entrevistas, da TV Planeta América Latina, realizadas por Antonio Andrade, com a artista plástica Iris Davalos e a senhora Esperanza Francisca Yujra, ambas, cada uma a sua maneira, tecendo os fios que unem a comunidade em torno de suas festas, rituais e objetos.
As lutas por direitos e por justiça na cidade
Ao longo dos últimos anos, os bolivianos e as bolivianas protagonizaram uma série de manifestações políticas em nome dos direitos dos imigrantes na cidade de São Paulo. Um dos exemplos é a Marcha dos Imigrantes, organizada, principalmente, por associações de apoio aos latino-americanos, durante o mês de dezembro, desde 2007. Trata-se de um evento que integra uma campanha mundial pelos direitos dos imigrantes, iniciada com a celebração, em 18 de dezembro de 1990, da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias.
A Marcha dos Imigrantes de São Paulo busca reunir representantes das diversas comunidades de migrantes em torno de pautas comuns relativas às dificuldades e desafios enfrentados por essa população em seu cotidiano na cidade. A 11º Marcha de 2017, por exemplo, abordou a questão da invisibilidade dos imigrantes e suas consequências para a garantia de direitos a essas populações.
Da perspectiva da comunidade boliviana, uma mobilização extremamente marcante foi a desencadeada pelo assassinato violento de uma criança da comunidade durante um assalto à casa em que vivia sua família, em 2013. O assassinato do menino Brayan provocou uma grande comoção coletiva que se desdobrou em quatro protestos organizados pela comunidade boliviana.
Saiba Mais: http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v31n91/0102-6909-rbcsoc-3191022016.pdf
Passeata realizada do dia 1 de julho de 2013 com pouco mais de trezentas pessoas que saíram da Rua Coimbra até a Avenida Paulista
Missa de sétimo dia do menino Brayan, no mesmo dia do ato na Praça da Sé
Ato realizado no dia 6 de julho, na Praça da Sé, data em que seria comemorado o aniversário de 6 anos do menino Brayan
Los Encuentros na Cidade
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A mi amigo lo conocí caminando, siempre con los bolivianos te dicen ‘hola, ¿Como estas?’ No caminan todos callados. Él era paceño y le gustaba lo que me gusta a mí. Nos pusimos a hablar de grupos [de cumbia boliviana] (…). Entonces ahí me dijo ‘donde yo estoy trabajando necesitan, pensá-lo bien’. Entonces me fui donde él estaba trabajando que era en Bras. (…) Era más cómodo (…) Como éramos desconocidos me he tenido que acostumbrar a las costumbres que ellos tenían de La Paz”, relata Javier, de 27 anos, nascido na Argentina e filho de bolivianos.
A cidade de São Paulo foi o local de encontro entre Javier e seus compatriotas latinos nos territórios tradicionalmente associados à comunidade boliviana, como a Praça Kantuta e a rua Coimbra. Javier nasceu em Jujuy, uma cidade de fronteira com a Bolívia. Migrara para o Brasil no final de 2009 e, após três meses de trabalho em sua primeira oficina de costura, de parentes de Cochabamba, conheceu Pablo andando na rua, enquanto caminhava próximo à Rua Coimbra. Durante boa parte da vida, morou ora em Cochabamba na Bolívia, cidade de origem de seus pais, ora em Jujuy ou Buenos Aires, na Argentina.
Esse encontro com um boliviano desconhecido, lhe possibilitou encontrar melhores condições de trabalho na cidade. Ele permaneceu nessa oficina durante todo o tempo restante em que morou em São Paulo, até o final de 2010.
Villa Pagador, Cochabamba
Muitas vezes, a migração ocorre como parte de um projeto de encontro com os que migraram anteriormente. Esse é o caso da trajetória de Richard de 24 anos, que migrou para São Paulo em busca de sua mãe. Quando tinha dois anos de idade, seus pais se separaram e ele passou a viver junto com a sua avó materna que trabalhava como vendedora ambulante de comida na zona sul de Cochabamba. Após muitos anos sem notícias de sua mãe, Richard recebeu um telefonema dela enquanto trabalhava na oficina de costura de sua prima, em Buenos Aires, para onde havia migrado aos 15 anos. A mãe relatava que havia se mudado para São Paulo e queria encontrá-lo.
Richard migrou de Cochabamba para São Paulo em 2010, depois de uma primeira tentativa frustrada de migrar para o Brasil, diretamente de Buenos Aires. A sua mãe vivia em uma favela no bairro de Vila Matilde, junto com o marido, o irmão mais novo de Richard e três filhos do segundo casamento. O encontro não foi como esperado. Samuel não gostou da mãe que encontrou. “Ella vino a saludarme, me llevó a su casa y un poco no me agrado nada porque era muy diferente. No, no esperaba así … ya he ido a conocer, pero para mí era muy diferente. Mi pensamiento de mi era trabajar junto con ella, abrir una oficina ahí mismo, vivir junto con ellos así..., explicava decepcionado. O distanciamento que se instalara entre os dois enredou sua vida pessoal e a ocupação como costureiro. “Pero no me sentía así una persona que se alegre con su mama, ha sido muy duro. No me alegraba nada a mí, nada, nada …. es como estamos conversando ahora así es, para mi es como una persona desconocida”, enfatiza.
A mãe de Richard e sua nova família eram muito diferentes do que buscava encontrar. No entanto, após se despedir de sua mãe biológica e trabalhar de maneira independente em outras oficinas de costura, Samuel encontrou na cidade uma nova família: um casal de bolivianos com dois filhos, provenientes de Cochabamba,que o contrataram para trabalhar em sua oficina em Guarulhos. Emocionado, constata: “Mucho más mejor que la familia de mi mama (…) dije me equivoque al llegar donde mi mama, debería llegar ande ella, ella es mi mama dije, ella también me dice “hijo” y sus hijos me dicen “mi hermano”.
Embora, na maioria dos relatos, o encontro ocorra entre compatriotas, essa experiência social “de gueto”, em que se convive somente com os membros da comunidade, como denominam os próprios migrantes, tem sido crescentemente problematizada, principalmente, entre as gerações mais jovens. A experiência de gueto dificulta o aprendizado do português e do encontro de outras alternativas de trabalho fora dos territórios da costura.
Os bolivianos e bolivianas que migram com o auxílio de compatriotas para o trabalho em suas oficinas de costura, muitas vezes, veem-se enredados em um redemoinho de obrigações morais do qual não conseguem sair sem que isso signifique rompimentos dramáticos. Trata-se do rompimento do “derecho de piso”, uma prática de reciprocidade diferida no tempo, em que é preciso reconhecer o auxílio recebido, conforme nos relata Elizabeth, em La Paz, no início de 2013, logo após voltar de uma temporada de um ano de trabalho na costura em São Paulo.
“Porque yo la he pasado, yo he vivido eso. Yo pensé yéndome allá a Brasil, el primer mes ya, como todo se sufre ¿no? (…) Yo decía sí, estoy pagando derecho de piso porque venir a una ciudad tan grande y de la noche a la mañana tener un buen trabajo es difícil. (…) El derecho de piso es que, bueno, para mi modo de entender, es lo que hemos sufrido, la hemos pagado, cómo te puedo decir, con el sufrimiento, lamenta Elizabeth aos 59 anos de idade.
Sua primeira experiência como a de muitos que iniciam sua atividade laboral em terras paulistas é marcada por péssimas condições de trabalho. “Hemos pagado a que nos acepten a nosotros como somos, así como obreros o como trabajadores, hemos pagado sufriendo. No hemos ido, como para decirte, ir al Brasil decir ya trabajo, yo soy, por decirte, modista, ya, listo ven. No, nos han hecho sufrir, nos han hecho pedir agua como se dice. Yo a eso lo llamo derecho de piso. Es como, quizás en otras ciudades son así ¿no? No sé, pero ha sido mi primera experiencia”.
Elizabeth migrou para trabalhar na oficina de costura dos tios de sua nora com o objetivo de juntar dinheiro para auxiliar o seu filho mais novo a entrar no exército boliviano. Embora tivesse experiência na costura, iniciou em São Paulo como cozinheira, ganhando menos e com jornadas ainda mais exaustivas do que a dos costureiros. Após inúmeras discussões, Elizabeth, seu filho mais velho e sua nora conseguiram mudar de oficina de costura. Na nova oficina, o contato foi feito por meio de uma assistente social em um posto de saúde. Elizabeth encontra condições de trabalho um pouco melhores como costureira e consegue realizar a poupança desejada, voltando dois anos depois para a Bolívia.
A experiência de gueto dificulta o aprendizado do português e do encontro de outras alternativas de trabalho fora dos territórios da costura.
O Manifiesto Ch’ixi (2010) do Coletivo Simbiosis de jovens costureiros bolivianos e bolivianas aborda essa experiência de exploração entre compatriotas em Buenos Aires. Para esse coletivo, o discurso de afirmação da singularidade cultural e identitária boliviana pode mascarar essa realidade no interior da comunidade. “Quienes explotan el sistema del taller textil quieren recrear acá una pequeña Bolivia, para evitar que te mezcles, que conozcas otras músicas, otra gente. Las radios que se escuchan en los talleres, las organizaciones que reivindican ‘lo boliviano’ y los talleristas (y los discursos argentinos que promueven este modo de plantear las cosas) y que se justifican con la tradición andina te confinan a una identidad prefabricada de lo boliviano, afirma o Coletivo em seu livro De Chuequistas y Overlockas, com coautoria do Coletivo Situaciones, em 2011.
Eles reivindicam para si a rica diversidade da história de suas experiências de vida e as aberturas possíveis dos encontros, no lugar da homogeneidade que define o termo bolivianos. “Para muchos de nosotros es más fuerte ser habitante de una villa o de un barrio como Villa Celina, donde crecimos y nos criamos desde chicos, que ser bolivianos. A eso le llamamos cultura ch’ixi, a tener esa capacidad de poder mezclarte, sin diluir lo que somos y lo que queremos (…) No hablamos como bolivianos /as. Tampoco como argentinos / as (…) Estamos hablando desde una experiencia. (…) Más que nacionalidades, tenemos trayectorias. Algunas incluyen atravesar una frontera”.
Ao invés de proporem o contrário da experiência de gueto, que seria a integração acrítica às sociedades de destino, esses jovens apostam em outras possibilidades: o encontro entre os vários diferentes (migrantes paraguaios, peruanos, africanos, argentinos pobres etc) com quem compartilham, no cotidiano urbano, experiências semelhantes de trabalho e moradia. Afirmando, dessa forma, a legitimidade do encontro com o outro e das mesclas e transformações que os encontros engendram.
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A eso le llamamos cultura ch’ixi, a tener esa capacidad de poder mezclarte, sin diluir lo que somos y lo que queremos (…) No hablamos como bolivianos /as. Tampoco como argentinos / as (…) Estamos hablando desde una experiencia. (...) Más que nacionalidades, tenemos trayectorias. Algunas incluyen atravesar una frontera”.
Por um tiempito nomás – projetos migratórios entre lá e cá
As migrações bolivianas voltadas para o trabalho na costura caracterizam-se por sua circularidade. A qualquer momento, é possível, tanto lá, na Bolívia, quanto cá, nas cidades de destino- regiões metropolitanas de São Paulo, no Brasil, e de Buenos Aires, na Argentina - encontrar bolivianos e bolivianas chegando e partindo.
No vídeo, Projeto Costura apresentamos entrevistas realizadas com bolivianos e bolivianas que em algum momento de suas vidas se inseriram no trabalho da costura seja na cidade de São Paulo, seja em Buenos Aires. Essas entrevistas foram realizadas no lado de lá, na Bolívia, nas cidades de La Paz e El Alto. Os entrevistados vieram para cá por un tiempito nomás, utilizando o dinheiro poupado durante a migração para os mais diversos fins na Bolívia como quitação da casa própria, compra de máquina para a montagem da própria oficina, pagamento de dívidas anteriores.
Dessa forma, Brasil e Bolívia vão se entrelaçando, intensificando vínculos, ao longo de quase três décadas de circulação de bolivianos e bolivianas entre seus principais centros urbanos.