REGULAÇÃO, LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DEMOCRACIA
27 de setembro de 2019 | Cátia Oliveira e Patrícia Paixão
Quais as relações entre democracia e meios de comunicação em um ambiente que, se de um lado é alimentado por um mercado de ideias ultraliberais, do outro, precisa da garantia de direitos para se desenvolver? A equação não é fácil. É certo que a democracia pressupõe eleições livres e justas, além de alternadas, bem como instituições em funcionamento e acesso à informação. No entanto, para que a democracia seja substantiva, ampla e inclusiva é necessário que esteja vinculada aos conceitos que definem os direitos humanos e fundamentais, entre eles, a liberdade de expressão e de opinião. Não só isso. Nos países em que a democracia é vivenciada na prática, ou seja, realizada na vida dos cidadãos e cidadãs, é necessário que o tripé formal que define uma das formas de democracia também se sustente para proteger direitos e garantias fundamentais.
No Brasil do ano de 2019, ao abordar o tema da democracia, é premente perguntar a quem estariam servindo as instituições como Polícia Federal, Tribunal Superior Eleitoral, Superior Tribunal Federal, Ministério Público Federal, Congresso Nacional, mídia corporativa, entre outros. Mas: para entender se há democracia no país, é urgente interpelar se essas instâncias estão atuando com independência, e a que tipo de informações a população estaria tendo acesso. É possível delinear algumas respostas. Em um universo de enredamento de notícias falsas (fake news), somado à veiculação de opiniões de cunho neoliberal dos proprietários dos conglomerados [1] de mídia, embaladas de “informações jornalísticas”, o que se observa é um horizonte não muito animador e disforme para um quadro democrático.
A comunicação é um dos eixos fundamentais para o exercício da democracia. De acordo com o sociólogo Pierre Bourdieu, em seu livro Sobre a televisão, o espaço concedido pelos meios de comunicação aos diferentes agentes sociais teria que ser equânime, para que este não se convertesse em instrumento de opressão simbólica. Em seu estudo, Bourdieu destaca-se a forte penetração da televisão para a formação de opinião pública. Mecanismos de filtros, censuras e escolhas que estão por trás das imagens e discursos televisivos representam, conforme o sociólogo, um perigo para todas as esferas culturais, ameaçando a vida democrática e política.
Em Desinformación: cómo los médios ocultan el mundo, o jornalista e pesquisador espanhol, Pascual Serrano, faz uma “arqueologia” sobre o comportamento da mídia em várias regiões do mundo, em especial, a América Latina. O autor revela como os jornais, rádios, televisões e internet “desinformam” a opinião pública, com o propósito de promover a sua adesão à classe dominante. Serrano defende que o resultado desse modelo de informação massivo e empresarial é a divisão da sociedade em duas instâncias: a de uma maioria que consome grandes meios de comunicação de forma acrítica e que acaba sendo veículo da manipulação informativa; e a outra formada por uma elite política e intelectual que consegue compreender as “chaves do mundo”. Além disso, ainda de acordo com Serrano, a parcela acrítica conviveria com a impotência de não fazer com que as suas próprias mensagens cheguem ao conjunto da sociedade.
As notícias que emergem dos meios de comunicação oligopolizados [2] ajudam a construir uma visão de mundo distorcida na sociedade. O pesquisador Venício Lima, no livro Mídia: crise política e poder no Brasil, retoma o caso emblemático da fatídica “guerra do Iraque”, ocorrida em 2003, analisando o poderio da mídia na tradução e representação da realidade, a partir da análise da repercussão pública do episódio que marcou a invasão das tropas americanas ao país. Segundo Lima, o relatório do Programa Internacional de Comportamento Político da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, comprovou que: 48% dos norte-americanos acreditavam que suas tropas encontraram evidências de ligações entre o Iraque e a Al-Qaeda; 22% acreditavam que foram encontradas armas de destruição em massa no país; e 25% acreditavam que a opinião pública mundial apoiava a ação armada dos Estados Unidos. Mas todas as percepções relativas à guerra do Iraque estavam equivocadas, porque, de fato, “as tropas não encontraram evidências de ligações entre o Iraque e a Al-Qaeda; as tropas não encontraram armas de destruição em massa; e a opinião pública mundial não apoia a ação armada dos Estados Unidos no Iraque”. As razões para essa incongruência encontram respostas na influência da FOX News sobre a opinião pública. A cobertura da guerra realizada pela FOX News adotou uma linha editorial para favorecer a voz oficial do governo Bush.
No Brasil, o problema ganha contornos mais severos pelo alto grau de concentração de meios de comunicação. Um estudo intitulado Monitor de Propriedade de Mídia (cuja sigla em inglês é MOM), realizado em 12 países pela Organização Não Governamental Internacional Repórteres Sem Fronteiras e coordenado pelo Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação, revelou que o país apresenta os piores indicadores para a pluralidade na mídia. Em termos de concentração de mercado, por exemplo, o levantamento trouxe índices elevados, principalmente no que diz respeito à televisão, ainda a mídia mais acessada pelos brasileiros. De acordo com a divulgação do estudo, em 2018, pelo portal da Agência Brasil, as quatro principais redes - Globo, SBT, Record e Band - somam 71,1% de toda a audiência nacional. Na mídia impressa, o grau de concentração também foi considerado de alto risco para a pluralidade de ideias, com 50% da audiência concentrada nos quatro principais grupos: Globo, Folha, RBS (além de emissoras de rádio e TV, o grupo é dono do jornal Zero Hora, que está entre os de maior tiragem do país) e Sada (que detém publicações como o jornal Super Notícias, de Minas Gerais).
Os portais de Internet não ficam atrás, apresentando alto grau de concentração entre os quatro principais grupos (G1, UOL, R7 e IG), responsáveis por 58,75% do share de audiência. Segundo o coordenador da pesquisa no país [3], André Pasti, o estudo revela que o Brasil apresenta um cenário de oligopólio e de concentração excessiva dos diferentes tipos de mídia em poucos grandes grupos. Há graves problemas, ainda, de propriedade cruzada, ou seja, quando um mesmo grupo de mídia controla diferentes veículos. Entre as 26 maiores redes espalhadas pelo país, nove pertencem ao Grupo Globo, cinco ao Grupo Bandeirantes, cinco são controlados pelo Grupo Record (ligados à Igreja Universal do Reino de Deus), quatro são parte do grupo regional RBS (com atuação na Região Sul) e três pertencem ao Grupo Folha. Os veículos controlados pelo Grupo Globo atingem, na média ponderada, um total de 43,86% da audiência de todo o país, de acordo com dados da Agência Brasil, publicados em 2018.
Com os veículos de comunicação oligopolizados, e sem maiores condições para produzir e disseminar mensagens em grande escala, a maioria da população (aqui se destaca a parcela que constitui a camada vulnerável da sociedade, seja por situação de classe, gênero, raça, etnia ou geração) permance longe de alcançar o pleno direito humano à liberdade de expressão. No seu Artigo 19, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), preconiza que “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.
A publicação Direito à Comunicação no Brasil 2018, lançada em 2019 pelo Intervozes, traz informações aterradoras que ilustram a queda da liberdade de expressão no país, alçando o Brasil à condição de segundo país em que esse índice mais decaiu desde 2014. Segundo dados publicados no artigo Violência contra ativistas e comunicadores compromete a liberdade de expressão em 2018, de Alex Pegna Hercog, a maior queda se refere à liberdade de expressão em ambientes on-line e no espaço público comum, em especial nas manifestações de rua, sendo os ativistas LGBTI, ambientalistas e lideranças ligadas à causa indígena e quilombola os segmentos vulneráveis ao cerceamento à liberdade de expressão.
Ainda de acordo com a publicação do Intervozes, a violência contra comunicadores ajudou o Brasil a subir no ranking de país violador da liberdade de expressão em 2018, tendo como vítimas jornalistas, blogueiros e defensores de direitos humanos. Para ilustrar, é citado o caso de ataque à rádio comunitária Educadora de Gurupá (PA), que foi invadida e incendiada. O texto traz também números que mostram o Brasil na lista dos dez países com mais assassinatos de comunicadores, entre 2014 e 2018, no ranking liderado pela Síria, México, Afeganistão e Iraque. Diante desse sistema violador de direitos estruturado, é possível dizer que a liberdade de expressão está em risco no país, senão ultrajada na sua condição de direito fundamental. De acordo com o artigo de Alex Pegna Hercog:
A compreensão de que a garantia da liberdade de expressão é algo fundamental para o funcionamento das democracias motivou a compromissos nacionais e a adesão a acordos internacionais para a proteção a esse direito. O capítulo V da Constituição Federal já afirma que nenhuma lei pode constituir “embaraço à plena liberdade de imprensa”. No seu artigo 220, é dito que “a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação” não sofrerão “qualquer restrição”.
Em que pese a defesa de direitos escrita e publicada em leis, a liberdade de expressão segue em bases capengas: parte da mídia concentrada imbricada com os poderes ultraconservadores, parcela considerável da população consumindo informações midiáticas de forma acrítica e grupos socialmente vulneráveis sem meios adequados para a construção e disseminação de suas mensagens. O resultado desse amálgama é o que está sendo vivenciado no país desde 2016, com o maior abalo ao Estado Democrático de Direito: o golpe político-jurídico-midiático à presidenta Dilma Rousseff. Em Democracia fraturada - a derrubada e Dilma Rousseff, a prisão de Lula e a imprensa no Brasil, o autor Pedro Nunes defende que a destituição da presidenta Dilma foi uma deposição que marcou a falência da democracia brasileira. De acordo com Nunes:
O longo processo de deposição da ex-presidenta Dilma Rousseff denotou claramente a falência de nossa precária democracia brasileira e, naturalmente, revelou a debilidade das instâncias de poder que se autoeximiram das suas próprias falhas, vícios e desmandos. Nesse sentido, vários pesquisadores que examinam as instâncias de poder identificaram um comportamento pervertido de instituições que habitualmente deveriam vigiar e cuidar da democracia, a exemplo do Poder Judiciário, do Ministério Público e do Poder Legislativo. Em seu conjunto, o processo de impeachment consumado triunfalmente em agosto de 2016 tratou-se de uma crise política real, artificialmente fabricada e urdida por agentes políticos das várias instituições do poder público, além de agentes políticos externos ̶ notadamente a grande imprensa, aqui considerada enquanto um ator político lastreado pelo poder econômico. Este ato político do Poder Legislativo, rigorosamente desenhado por seu ritual processual (revestido pela armadura da toga jurídica), configurou-se por quebras de institucionalidades e afrontas constitucionais inobservadas pelo Poder Judiciário.
O processo que se chamou de impeachment expôs as vísceras das instâncias de poder no Brasil e seus procedimentos nada republicanos, para dizer o mínimo. Para Pedro Nunes, a partir do advento do golpe “(...)foi possível detectar as fragilidades, contradições, desarticulações, imprudências, omissões, instabilidades e confrontos entre todas as instâncias de poder que constituem o Estado”. Com isso, ficou em xeque a prerrogativa do Estado de órgão regulador da democracia, responsável por defender a dignidade humana e o respeito às liberdades. Nunes reforça a tese:
O espetáculo farsesco do processo de impeachment expôs a face kafkiana de um Estado autoritário, dotado de extrema força policial, que optou por afrontar direitos, esvaziar as garantias individuais e coletivas, atuar pela via da perseguição partidária, revigorar discursos de exceção, de ódio, e promover de modo acintoso o confronto pelo caminho da intolerância e da violência.
Estavam, assim, criadas as condições para inaugurar no Brasil um novo período de retrocessos, que atingiriam em cheio a democracia. A partir de então, a sociedade brasileira passou a vivenciar uma estranha reconfiguração da agenda político-econômica, com a ascensão de um projeto político não vitorioso nas urnas, levado a cabo por Michel Temer, após o chamado impeachment de Dilma. A mídia corporativa, um dos atores da teia arquitetada para efetivação do golpe, na sequência da ascensão de Temer ao planalto, engrena sua narrativa ultraliberalizante, vendendo-a como remédio possível para males diversos frente ao redemoinho institucional que se abria.
Na esteira deste discurso, ecoado pelas empresas de comunicação, foram aprovadas no Congresso Nacional a Reforma Trabalhista - que prometia gerar dezenas de postos de trabalho, com o corte de direitos historicamente conquistados -, a PEC 241, do teto gastos, responsável pelo congelamento de investimentos em Educação e Saúde pelos próximos 20 anos, além da mudança do marco regulatório de uma das petroleiras mais visadas internacionalmente: a Petrobras, entre outras medidas. O governo ilegítimo de Temer aprovou também o regime de Concessão que substituiu o de Partilha [4] - praticado a partir de 2010 - mudando, assim, os rumos da exploração do petróleo no Brasil, abrindo o mercado para petroleiras internacionais, entre elas, as norte-americanas, leiloando valiosos campos de Pré-Sal.
No campo da comunicação, o governo Temer, por meio de medida provisória, promoveu alterações na estrutura da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e a extinção do Conselho Curador da empresa, além de exonerar seu diretor-presidente. A lei de criação da EBC, datada de 2008, estabelecia que o mandato do diretor-presidente, de quatro anos, não deveria ser coincidente com os mandatos do Presidente da República, visando resguardar certa autonomia da empresa ante os governos de plantão. O jornalista que assumiu o posto de direção e foi exonerado, conforme prerrogativa das leis que regiam a emissora, deveria permanecer no exercício de suas funções até maio de 2020. A lei de criação da EBC também definia que os membros da Diretoria Executiva só poderiam ser destituídos nas hipóteses legais ou se tivessem recebido dois votos de desconfiança do Conselho Curador da empresa, no período de 12 meses. Com o movimento de algumas canetadas, um novo executivo indicado pelo governo assumiu a empresa de caráter público, que passou a comprar, com recursos públicos de suas planilhas, conteúdos das empresas Globo.
Assim, os ideais democráticos de consolidar os passos iniciais do que seria um Sistema Público de Comunicação, com a tentativa de estruturar e fortalecer um Conselho Curador com participação da sociedade civil, caíram por terra, junto com a proposta de ampliar o espaço de conteúdos diversos, por meio da estruturação de uma comunicação pública que dialogasse com as demais emissoras públicas do país. E o fosso entre a participação cidadã e as esferas públicas, que parecia cada vez mais diminuir, via conselhos de participação social, foi alargado.
Toda essa fragilidade político-institucional, tendo os oligopólios de mídia como catalisadores das demandas dos grupos de direita, resultaram na eleição de Jair Bolsonaro, em 2018. Com o apoio de grande parte da mídia, do Judiciário e dos partidos conservadores, o Brasil elegeu um governo de extrema-direita, que vai aprofundando ainda mais o abismo democrático, com extinção da participação dos setores diversos da sociedade, assim como de cidadãos e grupos sociais historicamente excluídos em esferas decisórias que discutiam políticas setoriais. Entre os colegiados extintos pelo presidente Jair Bolsonaro estão o Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade), o Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção e o Conselho de Erradicação do Trabalho Escravo.
As últimas eleições deixaram um rastro de desinformação: uma máquina de produzir informações falsas em larga escala e alta velocidade, que favoreceram o candidato a ocupar hoje a Presidência da República. Criminalização da esfera política pela mídia tradicional, por meio de sucessivos ataques ao partido apeado do poder e que trazia um sucessor para as eleições, além do não esclarecimento em cadeia nacional das notícias falsas propagadas, sedimentaram terreno mais que propício para um novo ataque à já combalida democracia. Some-se a isso a morosidade da Justiça em investigar a origem de tantas informações duvidosas, caluniosas e mesmo criminosas, tendo as redes digitais como o “melhor dos mundos” para atuações silenciosas no subterrâneo.
O Brasil repetiu procedimentos das eleições estadunidenses. A empresa responsável pela campanha de Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos e envolvida em outros processos eleitorais, como o referendo que propunha a saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, esteve no epicentro de um escândalo de grandes proporções que impactam hoje nos pilares de muitas democracias. Revelações de ex-funcionários da Cambridge Analytica (CA) aos jornais The Guardian e The New York Times apontaram o uso irregular de dados de perfis do Facebook para fins de marketing político. Conforme matéria do site BBC Brasil sobre a questão, além de material com informações verídicas, haveria evidências de que as consultorias também faziam circular boatos, acusações contra adversários políticos dos clientes e fake news [5]. A Cambridge Analytica, que já foi presidida pelo ex-assessor de Trump, Steve Bannon, tem como dono o milionário do mercado financeiro Robert Mercer, um dos grandes patrocinadores da campanha do presidente estadunidense. Steve Bannon também esteve reunido com um dos filhos de Jair Bolsonaro, durante a campanha eleitoral brasileira.
O The New York Times, citado pela BBC, afirma que, com base em entrevistas com ex-funcionários da empresa e em e-mails e documentos, a Cambridge Analytica não apenas usou as informações dos perfis do Facebook para fazer marketing político, mas ainda mantém a maioria desse banco de dados.
Por que a mídia corporativa brasileira se cala diante dos desmandos dos poderes que sustentam o Estado e das relações diretas e promíscuas entre eleições brasileiras e produção e propagação de notícias falsas? Pelos mesmos motivos que a fez apoiar o golpe de 2016 e tudo que foi gerado posteriormente. Pela própria constituição da mídia. Para o Intervozes, regulação, responsabilização e fiscalização são o caminho para coibir os abusos dos meios de comunicação.
A filósofa brasileira Marilena Chaui, lembra que, sob o ponto de vista econômico, os meios de comunicação são empresas privadas e, embora rádios e televisões sejam concessões públicas, atuam como mercado. Segundo ela, os meios de comunicação são uma “indústria cultural” e, como tal, são regidos pelas regras do capitalismo. Com a era da “globalização”, movida pela economia neoliberal, o setor das comunicações sofreu mudanças profundas, que trouxeram para o seu interior empresas sem qualquer vínculo ou tradição na área. Para o Intervozes, na publicação Direito à Comunicação no Brasil 2018, diferente do que ocorre em outros países,
(...) o Brasil não possui uma lei unificada sobre os meios de comunicação, que dê conta, por exemplo, da regulação das concessões públicas de radiodifusão e de estabelecer regras relativas a conteúdos jornalísticos ou não. Há, porém, uma série de normas que organizam a Comunicação Social no Brasil que, nos últimos anos, se soma a um crescente marco legal tratando de Internet e outros temas. A principal referência na área é a Constituição Federal de 1988, que além de garantir a liberdade de expressão como direito fundamental, tem seu quinto capítulo totalmente dedicado à Comunicação Social. Podem ser citados ainda: o Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4.117/1962) e o Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto nº 52.795/1963); a Lei Geral de Telecomunicações (Lei nº 9.472/1997); a Lei nº 9.612/1998 sobre a radiodifusão comunitária e o Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014).
Nesse Brasil de tantas complexidades e desmandos, de falta de crença nos poderes vigentes e na política partidária, de forte investida ultradireitista de poderes constituídos, de sistemática violação de direitos, de sistema midiático controlado por elites políticas, empresariais e religiosas, cabe à sociedade civil manter-se atenta e organizada, lutando pela promoção, proteção e reparação dos direitos humanos, sobretudo no que diz respeito à liberdade de expressão, já que se trata de um direito que pode fortalecer a conquista de outros direitos.
Notas
[1] Corporação que controla várias empresas dos mais diversos ramos.
[2] De acordo com Dênis de Moraes, essa oligopolização dos meios de comunicação pressupõe “(...)a) amplos mercados consumidores; b) concorrência intensa entre um número cada vez menor de megagrupos;(...) c) reformulação estratégica das corporações transnacionais, que passam a centralizar as funções de decisão e os planos de inovação(...)”. Ele diz ainda que o objetivo é sempre a “(...)maior acumulação de capital ao menor custo possível.”. E que: “A oligopolização das mídias insere-se no painel de forte concentração de comandos estratégicos e de mundialização de conteúdos, mercadorias e serviços, facilitada pelas desregulamentações, pela supressão de barreiras fiscais, pela acumulação de capital nos países industrializados, pela deslocalização geográfica das bases de produção e, evidentemente, por redes tecnológicas de múltiplos usos.
[3] Informações acessadas em Brasil tem pior cenário de pluralidade da mídia em 12 países analisados pelo RSF, por Pedro Rafael Vilela, disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-02/brasil-tem-pior-cenario-de-pluralidade-da-midia-em-12-paises.
[4] O Regime de Partilha regulamentava a exploração e a produção de petróleo e gás natural em áreas do Pré-Sal. Segundo revelado pelo vazamento de telegramas obtidos pelo site WikiLeaks, em 2010, petroleiras americanas não teriam visto com bons olhos a aprovação do Regime de Partilha. Representante de uma delas, segundo os documentos, ouviu do então pré-candidato à Presidência, José Serra (PSDB), que fora ministro das Relações e Exteriores do governo Temer, em 2016, a promessa de que a regra seria alterada caso ele vencesse as eleições. À época, Serra concorreu ao pleito eleitoral em oposição à Dilma. O político, autor da proposta original sobre a mudança do Marco Regulatório, seguiu negando ter feito as afirmações a ele atribuídas no telegrama, conforme assinala matéria do site El País, publicada em 2016, disponível em: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/25/economia/1477353770_864008.html.
[5] Tal discussão pode ser acessada na notícia intitulada O escândalo fez o Facebook perder mais de US$ 35 bilhões em horas, publicada pela BBC Brasil em 2018. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-43466255.
Para saber mais
BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia (uma defesa das regras do jogo). Trad. Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Trad. Maria Lúcia Machado. Rio de. Janeiro: J. Zahar, 1997.
CHAUI. Marilena. Simulacro e poder: uma análise da mídia. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.
DAHL, Robert. A. A democracia e seus críticos. São Paulo: Martins Fontes 2012.
Direito à Comunicação no Brasil. Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação. São Paulo, 2019.
LIMA, Venício A. de. Mídia: crise política e poder no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2006.
MORAES, Dênis. Planeta mídia: tendências da comunicação na Era Global. Campo Grande: Letra Livre Editora, 1998.
NUNES, Pedro. Democracia fraturada: a derrubada de Dilma Rousseff, a prisão de Lula e a Imprensa no Brasil [recurso eletrônico]. João Pessoa: Editora do Centro de Comunicação, Turismo e Artes (CCTA)/UFPB; Aveiro: RIA Editorial, 2019. 162p.
SANTOS, B. de S. & AVRITZER, L. 2002. "Para ampliar o cânone democrático", In: SANTOS, Boaventura de Souza (org.): Democratizar a democracia. Os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
SERRANO, Pascual. Desinformación: cómo los médios ocultan el mundo. Barcelona: Ediciones Península, 2009.
As autoras
Cátia Oliveira é jornalista e mestra em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Pós-graduada em Jornalismo e Crítica Cultural, pela mesma universidade, foi co-fundadora da Federação Pernambucana de Cineclubes (Fepec), tendo atuado como produtora audiovisual e documentarista. Além de sites de notícia e revistas, trabalhou na administração pública, em organizações não governamentais e lecionou disciplinas de Comunicação e Direitos Humanos em turmas de graduação e módulos de pós-graduação. Integra o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social e o Conselho Fiscal do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco (Sinjope).
Patrícia Paixão de Oliveira Leite é jornalista, mestra e doutora em Comunicação Social pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Possui especialização em Propaganda e Marketing (UFPE) e em Jornalismo Cultural (Universidade Católica de Pernambuco). Integra, ainda, o Grupo de Pesquisa Epistemologias e Práticas Emergentes e Transformadoras em Comunicação, Mídias e Cultura - Ecomsul, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), na linha Comunicação, Mídias e Direitos Humanos para a América Latina. Atuou como membro da Comissão de Ética do Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco (Sinjope), entre 2013 e 2019. É associada-fundadora do Instituto de Assessoria para o Desenvolvimento Humano (IADH) e integra o Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social.