top of page

Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): combatendo a fome e fortalecendo a agricultura familiar

Jucyene das Graças Cardoso 

Em janeiro de 2003 foi lançado pelo governo federal o programa Fome Zero, que expressava a concepção de que a fome é uma realidade que deve ser compreendida não apenas como uma questão de caridade da sociedade civil, mas sobretudo como uma questão de política pública, que diz respeito mais ao acesso ao alimento do que à produção dele. Nesse contexto, uma das ações consideradas estruturantes do Fome Zero foi a constituição do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que garantiria o atendimento de populações em situação de insegurança alimentar e nutricional e promoveria a inclusão social no campo, fortalecendo a agricultura familiar.

O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) consolida-se dentro de um cenário de agravamento da situação social do país, evidenciado pela entrada do Brasil no Mapa da Fome [1] nos anos 2000 e, pela constituição de políticas públicas que trazem uma nova concepção de segurança alimentar e de participação dos agentes locais. Nessa direção, a segurança alimentar é compreendida não apenas como uma questão de saúde dos indivíduos ou de qualidade dos alimentos, no que diz respeito às condições em que são produzidos, mas também como geração de renda e emprego para os/as agricultores/as familiares locais que serão responsáveis pela produção de tais alimentos. Assim sendo, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) afirmou-se como programa de acesso à alimentação adequada e saudável, bem como instrumento de política agrícola, colocando-se na perspectiva de se consolidar como uma política pública de Estado.

O PAA, quando de sua constituição, representou um mecanismo de aquisição de alimentos por meio de compras públicas, sinalizando para a utilização estratégica da capacidade de compra do Estado, na direção de combater a fome e, ao mesmo tempo, fortalecer a atividade produtiva de um segmento constitutivo da agricultura brasileira, pois criava mercado para a venda dos produtos oriundos da agricultura familiar. Com isso, em sua criação, o programa foi considerado uma política inovadora, tendo em vista que, por meio do seu Grupo Gestor, tinha sua direção estratégica compartilhada entre os vários ministérios envolvidos com sua execução, favorecendo uma maior eficiência na gestão dos recursos públicos.

 

Os recursos do PAA, originalmente, eram oriundos do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), com predominância de recursos advindos do MDS. Atualmente, o programa possui orçamento vinculado ao Ministério da Cidadania. 

Os dados dos dois últimos Censos Agropecuários (2006 e 2017), realizados pelo IBGE, apontam para a relevância da agricultura familiar na produção de alimentos para o mercado interno, demonstrando que ela é peça chave para a efetivação do processo de ampliação da produção de alimentos e diversidade nutricional, tendo, ainda, importante papel na geração de renda dos municípios brasileiros. Portanto, a produção agrícola familiar contribui de maneira significativa para a oferta interna de alimentos no país, sendo a principal responsável pela garantia da segurança alimentar e nutricional dos/das brasileiros/as.

Para Mattei (2007), a estrutura legal que instituiu o PAA tornou menos burocrático o processo de aquisição dos produtos da agricultura familiar para atender os programas públicos. As regras de licitação requeridas pela Lei nº 8.666/93 foram dispensadas, permitindo que as compras fossem realizadas por meio das chamadas públicas, viabilizando maior apoio do Estado aos processos de comercialização da produção dos agricultores familiares. As várias modalidades que compõem o programa (PAA Leite; Compra com Doação Simultânea; Formação de Estoque; Compra Institucional, dentre outras) objetivavam ampliar a abrangência do PAA e fomentar práticas inclusivas e efetivas na seleção dos beneficiários, buscando romper com o desafio das práticas de políticas anteriores que, na focalização, excluíam os segmentos mais carentes.

Por meio do programa que, conforme a modalidade de aquisição, seria gerido pela Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), pelos estados e/ou municípios, o governo federal adquiriria e estocaria alimentos oriundos da agricultura familiar. Tais produtos seriam destinados à formação de estoques emergenciais e para o suprimento de alimentos oferecidos em restaurantes populares, instituições não governamentais de cunho social, como abrigos e asilos, bancos de alimentos e à alimentação escolar.

Com o objetivo de valorizar a produção e hábitos alimentares locais, o PAA promoveria a geração e garantia de renda dos/das agricultores/as, na medida que existe uma demanda para os produtos oriundos da produção familiar. Sendo assim, um dos benefícios do PAA era dinamizar o fluxo de renda nos municípios que adquirissem produtos da agricultura familiar pelo programa em que estavam inseridos. Quanto aos/as agricultores/as, a estabilidade de renda decorrente da parceria com o governo federal viabilizaria melhorias técnicas e de organização das suas atividades, pelo aumento da sua capacidade de aperfeiçoamento na estrutura produtiva, além de diversificação da produção, que ofereceria mais alternativas de comercialização dos seus produtos.

Apesar do número de agricultores/as familiares envolvidos/as no programa ter apresentado um movimento mais discreto em relação ao aumento do número de pessoas atendidas, para Delgado, Conceição e Oliveira (2005), um dos benefícios indiretos do programa estaria relacionado à recuperação dos preços pagos aos/as produtores/as familiares e à eliminação da figura do atravessador no processo de venda. Dessa forma, os recursos destinados ao PAA possibilitariam melhores condições de comercialização aos/as produtores/as familiares, garantindo a esses/as uma maior estabilidade da renda recebida com a venda dos produtos para instituições públicas, o que atuaria, ainda, no fomento ao desenvolvimento local, uma vez que a renda obtida pelos/pelas agricultores/as é gasta no mercado da região em que vivem. 

A concepção e implementação da estrutura institucional do programa Fome Zero, que consolidou o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), pôde ter sua eficácia avaliada enquanto política pública para o combate à fome [2] a partir da saída do Brasil do Mapa da Fome em 2014. Todavia, as conquistas de ordem social e produtiva até aqui apontadas, bem como a estrutura institucional estabelecida com a criação do PAA foram comprometidas com a chegada do governo Temer e Bolsonaro ao Poder Executivo. Em 2020, o resultado desse desmonte também pôde ser averiguado pelo retorno do Brasil às estatísticas relacionadas ao Mapa da Fome.

Com os novos (des)governos de plantão à época, desorganizou-se a estrutura de estoque de alimentos realizada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e extinguiu-se o Ministério do Desenvolvimento Agrário, um dos principais organizadores da articulação dos objetivos do combate à fome e fortalecimento da agricultura familiar. Em termos orçamentários, reduziu-se drasticamente o volume de recursos públicos destinados ao PAA, o que resultou desse novo cenário institucional foi a volta do país ao Mapa da Fome em 2020, e no agravamento da situação de insegurança alimentar no país. 

Assim, a fome volta a ser um problema de ordem estrutural e essa realidade parece confirmar a análise de um dos mais importantes estudiosos dessa questão no Brasil, Josué de Castro, de que a “fome é a expressão biológica de males sociológicos” de um país. No III Governo Lula, a experiência e o êxito comprovadamente obtidos pelo PAA no combate à fome recolocam esse programa no seu lugar estratégico de combate à fome, recuperando, por exemplo, os recursos que foram retirados do orçamento nos dois governos anteriores.  

   

Assim sendo, as esperanças da sociedade brasileira de saída dessa terrível geografia chamada Mapa da Fome aparecem renovadas com a retomada das políticas públicas para combatê-la.           

NOTAS

[1] Para maiores informações sobre o que significa o Mapa da Fome: Afinal, o Brasil está ou não no Mapa da Fome da | Direitos Humanos (brasildefato.com.br).

[2] Avaliações sobre a eficácia das ações do Programa Fome Zero no combate à fome no Brasil.  Ver Programa Fome Zero completa 14 anos | FAO.

PARA SABER MAIS 

DELGADO, G.C.; CONCEIÇÃO, J. C. P. R., OLIVEIRA, J. J. Avaliação do programa de aquisição de alimentos da agricultura familiar (PAA). Rio de Janeiro: IPEA, 2005. Texto para Discussão nº 1145.

MATTEI, L. F. Políticas públicas de combate à fome: o caso do Programa de Aquisição de Alimentos da agricultura familiar no Estado de Santa Catarina. Sociedade e Desenvolvimento Rural, v.1, n.1, 2007/b.

A AUTORA

Jucyene Cardoso

Jucyene Cardoso é doutora em Economia, professora efetiva da Universidade Estadual de Goiás (UEG/Itumbiara). Desenvolve pesquisa na área de Economia, com ênfase em Economia Agrícola, Desenvolvimento Rural e Desenvolvimento Econômico e Economia Solidária, tendo como principais temas de interesse: agricultura familiar, pluriatividade, cooperativismo e políticas públicas.

COMO CITAR ESSE TEXTO

CARDOSO, Jucyene. Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): combatendo a fome e fortalecendo a agricultura familiar. Revista Coletiva, Recife, n. 33, set.out.nov.dez. 2023. Disponível em: <https://www.coletiva.org/dossie-a-fome-e-a-inseguranca-alimentar-no-brasil-n33-programa-de-aquisicao-de-alimentos-paa>.  ISSN 2179-1287.

Conteúdos relacionados

Coluna Política e Cidadania | n° 3

Graciete Gonçalves dos Santos

Coluna Política e Cidadania | n° 6

Ricardo Leining 

APOIO
LABJOR/UNICAMP
REALIZAÇÃO
FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO
régua .png
MEC.png
bottom of page