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A  reportagem A Sociedade civil no combate à fome  aprofunda a discussão sobre as iniciativas de organizações não-governamentais e movimentos sociais na mitigação da fome no Brasil, que mobilizam uma rede popular nas periferias das cidades e no campo e se organizam em torno da solidariedade e atenção primária aos grupos mais vulneráveis. 

Projetos como as Cozinhas Solidárias do MTST, que influenciaram políticas públicas como o Brasil sem Fome, surgiram a partir da pandemia e se consolidaram em um ainda atual cenário de retorno do país ao Mapa da Fome — uma condição oficializada em 2022, com o avanço da insegurança alimentar para 70 milhões de pessoas, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).  

Este Especial da Coletiva procura compreender a atuação dessas organizações, como elas se inserem na construção e no monitoramento das políticas públicas e quais são os seus impactos na vida da camada mais vulnerável da sociedade, tendo em vista um contexto tão adverso de retorno a índices de insegurança alimentar equivalentes aos de 30 anos atrás.  

Introdução

Reportagem  

Marcela de Aquino

Entrevista

Marcela de Aquino

Mylena Galdino

Revisão e Edição

Cristiano Borba

Mylena Galdino

Design

Alice Ferreira

Marcela de Aquino

O surgimento de movimentos sociais e organizações da sociedade civil que reivindicam a luta pela formulação de políticas públicas em áreas como segurança alimentar, reforma urbana e luta por moradia estão intrinsecamente relacionadas à influência das discussões e implementação da nova Constituição na década de 90, no qual emergiram novos atores políticos na articulação de lutas conjuntas por direitos indissociáveis.

A construção da cidadania perpassa o combate à negação de uma rede de direitos aos "cidadãos de segunda classe" (Lenio Streck) ou à "ralé brasileira" (Jessé de Souza), que vem desembocar na fome e na insegurança alimentar e nutricional. Em seus redutos nas periferias, ONGs e movimentos vêm pautando as políticas governamentais como protagonistas e pioneiros de projetos de leis e monitoram o Estado no cumprimento de direitos básicos como o acesso à alimentação saudável, um dos direitos constitutivos da dignidade humana.  

Créditos: Alice Ferreira | Acervo Coletiva

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O combate à fome crônica: iniciativa e acesso a direitos nas periferias 

Cufa e Ação da Cidadania mobilizam ações pioneiras de assistência social  

O retrato do Brasil na volta ao Mapa da Fome é precedido pelo desmonte de programas sociais, desemprego e alta inflação dos alimentos. Nesse cenário, o Nordeste passa a ser uma das regiões mais afetadas, segundo a presidenta da Central Única de Favelas (Cufa) de Pernambuco, Altemiza Melo. “Como a maioria da população do Nordeste é quem mora nas favelas, [essa população] vive de uma economia informal”, ressaltando o perfil de vulnerabilidade na ausência de políticas públicas que acabam por acentuar a insegurança alimentar e social. 

Uma dessas políticas que não teria sido adotada durante a crise econômica, política e sanitária dos últimos anos, de acordo com Altemiza, seria a redução do valor incidido nos produtos alimentícios básicos que compõem o prato dos brasileiros. “Não foram pensadas questões como a diminuição de impostos a itens que compõem a cesta básica — o arroz, o feijão, o fubá, a farinha. O que aconteceu foi o aumento do preço desses itens”, avalia. 

Durante a quarentena em julho de 2020, a Cufa implementou o programa Cufa Contra o Vírus, que arrecadou e distribuiu cestas básicas e materiais de limpeza e higiene a 13,6 milhões de moradores e moradoras de favelas. Em Pernambuco, foram vinte e quatro mil famílias atendidas. A campanha conseguiu ter acesso às cinco mil favelas em que a instituição atua, e posteriormente o programa se transformou no Mães da Favela, em razão de a maioria dos lares serem chefiados por mães solo. “Mães essas que têm uma escolaridade bem abaixo, ou que não têm escolaridade. São pessoas que estão em situação de vulnerabilidade maior, por algum vício, alcoolismo ou droga. Mães que têm seus filhos ou seu esposo no sistema prisional", salienta a presidenta.  

Altemiza reflete a importância das medidas formuladas pelas organizações de base que estão em contato direto com as populações mais vulneráveis e que as ajudam a acessar determinados direitos a partir dos seus projetos e campanhas com a colaboração de assistentes sociais e líderes comunitários.  “As organizações sociais, que vinham de um processo de criminalização, mais uma vez se tornaram soluções, porque são as nossas tecnologias sociais que fazem e têm feito total diferença em nossos territórios”, reitera.  

A Campanha também foi responsável por outra frente no combate à fome: a de incremento de renda assistencial, que se tornou uma das ações pioneiras no desenvolvimento de políticas públicas pelo Governo Federal. “Conseguimos desenvolver um programa de transferência de renda e de destinação de tickets; fazer um programa trimestral de recebimento de vale alimentação com alguns dos nossos parceiros, também. E isso muito antes do que viria a ser o Auxílio Emergencial”, explica a entrevistada.

Em seus 20 anos de atuação, a Central vem debatendo e propondo ações para as principais demandas que surgem nos morros e vielas, onde tantos Severinos se defrontam com a fome como rotina, ameaça e ausência de cidadania. “A Cufa se tornou a maior organização que pauta e discute favela no país. E com isso nós sempre somos chamados para apontar soluções, para compartilhar dessa tecnologia e desse domínio de território”, conclui Altemiza. 

E se somos Severinos

      iguais em tudo na vida,

morremos de morte igual,

         mesma morte Severina:

que é a morte de que se morre

              de velhice antes dos trinta,

de emboscada antes dos vinte

           de fome um pouco por dia

(de fraqueza e de doença

          é que a morte Severina

ataca em qualquer idade,

     e até gente não nascida).
 

Morte e Vida Severina, João Cabral de Melo Neto                                           

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Vidas Severinas seguem nesse incontável desterro involuntário às comunidades da Região Metropolitana do Recife. Maria Ilza, uma das voluntárias do Ação da Cidadania, arrecada cestas básicas para a comunidade onde mora, a Antero Mota, no bairro da Iputinga. De origem indígena, natural do município de Pesqueira, atua há dois anos na ONG, que também contribui com doações a sua cidade natal. “Até em área indígena já fomos levar cesta básica. O povo vive peregrinando porque a renda é baixa e só têm algo quando chove [...] Em época de seca, o cacique fica em busca de quem vai levar alguma doação, alguma cesta básica”, comenta Maria Ilza. 

 

As caravanas para a entrega de alimentos já percorreram em épocas anteriores alguns municípios do Agreste e do Sertão pernambucanos como Alagoinha, São Vicente Férrer, Arcoverde, Águas Belas e Poção. Durante a festa de Nossa Senhora das Graças, também 

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são realizadas doações em áreas afastadas da Região Metropolitana do Recife, cujas disparidades regionais são retratadas no Mapa da Nova Pobreza, uma pesquisa da FGV Social de 2022, no qual o Agreste é a região mais afetada do estado, com 60% da população não tendo o mínimo para (sobre)viver. “Aqui em Recife, sempre vai ônibus levar cesta básica. O pessoal fica na beira da estrada, aguardando chegar. É roupa,  calçado,  cesta básica; não só na região de Pesqueira, nem só em Recife, mas no estado inteiro de Pernambuco vemos muita pobreza, mas muita pobreza,” lamenta Ilza.

 

A Ação da Cidadania, além de envolver o voluntariado das redondezas de sua sede no Parque de Exposições do Cordeiro, também conta com a colaboração de moradores de bairros mais longínquos de Recife. Segundo ressalta Maria Ilza, “Aqui tem voluntários antigos que vêm de comunidades distantes, como Caranguejo Tabaiares, Jaboatão, 

Maranguape. Enfim, regiões e pessoas que realmente necessitam dessas cestas básicas e desses alimentos” .

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Nos anos de pandemia, a instituição teve problemas para a entrega de mantimentos após a suspensão do trabalho voluntário. Gerson Marcondes dos Santos, morador da comunidade do Chamego, próximo à sede, mobilizou entre 30 e 40 pessoas de sua localidade para realizar as entregas de 3 mil cestas básicas enviadas pelo Comitê Central do Rio de Janeiro. Seu trabalho como voluntário já há 4 anos tem se concentrado em ações emergenciais. “A fome não espera. A fome tem pressa. Teve uma vez que eu fui para dentro da favela do Caranguejo Tabaiares, na palafita, lá para dentro. É de partir o coração”, relata Gerson, ao mencionar onde a fome chega com mais avidez, fincada na tradição histórica dos mocambos da cidade. 

 

Com o período de festividades natalinas, ações como o Ato Ecumênico de Oração pela Paz do Natal, realizado no Centro de Abastecimento e Logística de Pernambuco (CEASA), arrecadaram doações para a Campanha Natal Sem Fome deste ano. Representantes do Centro Islâmico e de religiões como o Candomblé, Catolicismo e Protestantismo confraternizaram em favor da paz e de comida na mesa, numa ceia inspirada naquela realizada por Dom Helder Câmara em 1994. Esses primeiros donativos da campanha em Pernambuco foram destinados às 40 famílias da Comunidade do Bode, situada no bairro do Pina, território expressivo de pescadores e moradores de matrizes do candomblé. 

 

 

 

 

 

 

 

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A Ação da Cidadania foi fundada por Frei Betto e Dom Helder Câmara no ano de 1993 e tem como emblema “ser radicalmente pobre, ser radicalmente franciscana”, aproximando-se das camadas populares pela assistência espiritual com os serviços de Deeksha e Reiki, e doação de cestas básicas. As grandes bases da ONG segundo o coordenador fundador, Anselmo Monteiro da Silva são provocações cidadãs relacionadas à ética na política para a erradicação da fome e da miséria, à organização do cidadão em atos de solidariedade e à transparência na ação com a sociedade civil. 

 

A Ação da Cidadania é fruto de um movimento que gerou o impeachment do ex-presidente Collor, por isso seu enfoque na ação cidadã para a transformação da realidade social e intervenção política dos "homens-caranguejo". Para o coordenador Anselmo é necessário que o papel da organização se diferencie do governo em prol da 

Créditos: Mylena Galdino | Acervo Coletiva

Créditos: Marcela de Aquino | Acervo Coletiva

Créditos: Marcela de Aquino | Acervo Coletiva

mobilização contínua. “Há sim algumas políticas públicas bem sucedidas que devem ser implantadas. E toda vez que uma ONG como a Ação da Cidadania veja seu sucesso, comemore rapidinho e volte para a trincheira,porque é na trincheira que vamos continuar lutando até o dia que ninguém passe fome no planeta”, defende, nessa luta simbiótica e colossal entre homens e caranguejos aferrados em manguezais.

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São 200 mil indivíduos, 200 mil cidadãos

   feitos de carne de caranguejos.

 O que o organismo rejeita volta como detrito

       para a lama do mangue

  para virar caranguejo outra vez.

          Nesta aparente placidez do charco

 desenrola-se trágico e silencioso o ciclo do caranguejo.

     O ciclo da fome devorando os homens e

  os caranguejos todos atolados na lama”.

 

Homens e Caranguejos, Josué de Castro                                          

Hortas comunitárias e agricultura familiar em pauta pelo direito à alimentação

Cozinhas Solidárias do MTST e Centro Sabiá adotam hortas em ocupações e levam comida de verdade para a mesa dos desassistidos pelo poder público 

O espaço na Vila Santa Luzia, no bairro da Torre, Zona Oeste de Recife, abrigou, durante mais de dez anos, um Centro Comunitário de ONGs e Núcleo de Triagem Recicláveis antes de ser abandonado pelo poder público de Recife. Desde 2021, integra uma das 11 Cozinhas Solidárias do Movimento de Trabalhadores sem Teto (MTST) em todo o mundo, beneficiando 100 famílias por dia na comunidade.

 

Área com alta vulnerabilidade social, o Programa tem atendido sobretudo mães solos, moradores em situação de rua e idosos que não residem com seus familiares — é o que relata a Coordenadora Estadual do MTST, Edileide Correia de Lima, mais conhecida como Branca. Na capital com alto déficit habitacional, Branca já morou em ocupações urbanas como  Carolina de Jesus e Marielle Franco e há 7 anos atua no Movimento. “Estamos fazendo o que o Estado deveria fazer”, afirma ao defender a ocupação do terreno durante momento crítico da pandemia. 

 

De acordo com Branca, o projeto iniciou com a doação de três refeições diárias. Atualmente, por falta de verba, entrega marmitas apenas no horário do almoço. No espaço, há uma horta agroecológica que é uma das fontes de abastecimento da cozinha, e que no início reunia trinta mulheres em sua manutenção, com direito a vale alimentação,  formação em agroecologia e acesso das crianças à biblioteca comunitária. “A proposta é ampliar as hortas para os terrenos em ocupações e juntar com as doações de alimentos por meio das plataformas digitais, além das compras nos supermercados, para combater a insegurança alimentar dos sem-teto”, complementa a coordenadora local.

 

 

 

 

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A ex-deputada das Juntas, Maria Joselita Pereira Cavalcanti, que prefere ser chamada por Jô Cavalcanti, também está à frente da organização do Cozinhas Solidárias. Filha de Maria Genilda, empregada doméstica, e José de Holanda, feirante de Casa Amarela, a Coordenadora Nacional do MTST, militante do Movimento Trabalhadores Sem Direitos (MTSD) e da Rede de Mulheres Negras de Pernambuco, comenta que “a cozinha solidária é justamente para a população que foi historicamente marginalizada (...) pessoas negras de comunidade, de favela, em que muitas delas trabalham na informalidade”, sublinha. 

 

O retrato da negação de direitos, sobretudo nos anos do governo Bolsonaro, denunciado pela representante do MTST está em como “as políticas públicas para as pessoas que 

De acordo com Jô, o maior desafio do Cozinhas Solidárias tem sido fornecer alimentação saudável com base na educação alimentar. “Não é à toa que não trabalhamos só com a entrega de alimentos, mas também procuramos parceiros que tenham essa manutenção de alimentos saudáveis (...) Ninguém faz luta com fome. Tentamos fazer de uma maneira que chegue à ponta, mas com uma reeducação alimentar”, salienta.

Créditos: Alice Ferreira | Acervo Coletiva

Créditos: Alice Ferreira | Acervo Coletiva

Apesar dos avanços sociais em âmbito nacional, a primeira cozinha ocupada em terreno público ainda hoje é objeto de disputa entre a Prefeitura de Recife e o MTST, sem um acordo estabelecido de cessão do terreno ao Programa. A ex-trabalhadora informal e ex-deputada das Juntas, que teve como trajetória a luta pela renda mínima básica em 2021, denuncia sua revolta com o projeto de uma cidade que exclui aos morros, as palafitas (...) a população negra, como citado em Carolina de Jesus, na obra Quarto de despejo, o descaso das múltiplas dimensões da fome. “Lutamos para que possamos fazer o que essas pessoas que hoje não tem casa, não tem comida, tenham dignidade (...) Se tivesse todas as políticas públicas contempladas pela população, não precisaria ter movimento social”, enfatiza

realmente precisam foram zeradas”. Atualmente, para diminuir os índices de insegurança alimentar elevados, a iniciativa do Programa Cozinha Solidária se tornou o projeto de Lei 491/23, encaminhado pelo deputado federal, e uma das lideranças do MTST, Guilherme Boulos.  O PL foi sancionado pelo atual Governo junto com a volta do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que vem fortalecer a agricultura familiar de quem vive no entorno das grandes metrópoles.  

Além das hortas urbanas agroecológicas, a atual parceria, que visa fortalecer as políticas públicas, também garante alimentos mais saudáveis nos pratos das camadas mais vulneráveis e colabora para que se alcance a soberania alimentar no país.  “Não estamos apenas alimentando, mas estamos fazendo com que aquelas famílias que plantam não usem agrotóxicos e tenham o processo do cultivo da terra. Por mais que digam que ‘o agro é pop’, o agro mata”, pontua a coordenadora nacional. 

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“A tontura da fome

   é pior do que a do álcool.

     A tontura do álcool

        nos impele a cantar.

   Mas a fome nos faz tremer.

      Percebi que é horrível ter só ar

   dentro do estômago.”

 

Carolina Maria de Jesus, em “Quarto de despejo”, 1960.

Unindo a perspectiva sociológica da fome e suas origens no Centro Josué de Castro às práticas de produção de alimentos com o apoio de tecnologia alternativa nas áreas rurais, surge, na década de 90, um novo ator social no combate a essa “tontura da fome” no Semiárido brasileiro: o Centro Sabiá. “O Sabiá nasce em 1993, no momento em que aconteceu uma seca muito grande no Sertão, e também nasce impulsionado por esse fenômeno climático que, de certa forma, exacerba os efeitos da fome”, contextualiza Carlos Magno, coordenador de Mobilização Social da organização.

 

Com a realização do Fórum Seca em 1992, foi germinada a concepção de convivência com a região semiárida em vez de combate à seca, fornecendo os fundamentos para o nascimento do Centro Sabiá. “Tecnologia para ocupar e lidar com o solo para a prática da agricultura, de forma que permitisse conviver com esse fenômeno natural agravado pela falta de política pública e falta de terras. O problema não é a seca, é a cerca”, enfatiza a coordenadora geral, Maria Cristina Aureliano de Melo. 

 

O trabalho que o Centro tem realizado nestes 30 anos para repensar a ocupação do solo e do sistema de produção teve como ponto de partida os princípios da agroecologia e a colaboração da Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA). É com esse viés que Carlos Magno defende que “não é só mudar a tecnologia e ter uma [outra tecnologia] diferente, como um canteiro econômico ou a nossa cisterna. É uma perspectiva paradigmática social, que mexe com a parte ecológica, social e política”. 

 

Em um primeiro momento de estruturação, o Sabiá desenvolveu sistemas sustentáveis — como quintais produtivos e agroflorestas — para em seguida trabalhar com a aquisição das sementes nativas em busca de maior autonomia para a família agricultora. Sem deixar de lado também a incidência política em torno de políticas públicas, a grande seca de 2012, quando o Brasil já havia saído do Mapa da Fome, não chegou a ser fatal para os sertanejos. “Houve sim muitas mortes de animais, muita perda de produção, mas não houve morte de nenhuma pessoa por conta da seca, pois havia todo um aparato de ‘colchão social’ para dar suporte e também [havia] as cisternas”, relata Maria Cristina.  

 

Desde 2008, o Sabiá vem assessorando tecnicamente associações de agricultores para que tenham acesso ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Maria Cristina ainda lamenta que “nem sempre é fácil, pois existem municípios que nem abrem edital; ou seja, tem que ter todo um processo de luta política, de chegar junto, de cobrar. Mas ainda é muito pequena a compra da alimentação escolar pelo estado, que hoje não chega a 10%”.

 

A organização não governamental também vem monitorando cerca de 150 feiras agroecológicas no estado de Pernambuco e trabalhando a partir do recorte de gênero no empoderamento econômico das mulheres. A coordenadora afirma que o "Centro Sabiá acompanha majoritariamente mulheres que estão comercializando. Isso tem um papel fundamental e certamente terá um grande impacto na segurança alimentar e na renda dessas famílias”. Apesar dos benefícios, as feiras ainda não conseguem atingir a classe popular dos centros citadinos. O coordenador Carlos Magno reconhece que o ideal seria a comida de verdade vir das mãos das agricultoras rurais para o prato das populações periféricas da cidade.

 

Para enfrentar esses desafios, uma das ações recentes do Sabiá são 15 experiências na área Metropolitana do Recife na produção de alimentos nos espaços urbanos — um trabalho conjunto com a Casa da Mulher do Nordeste e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE). As hortas Dandara, de Peixinhos, e a comunidade Palha de Arroz, em Campo Grande, são ocupações nas quais são promovidas a segurança alimentar e a ideia de repensar a relação com o alimento. “As hortas urbanas têm um duplo desafio: produzir alimento na cidade, que é basicamente produzir no concreto —  Recife é um grande concreto —, e enfrentar a história dos hábitos alimentares das populações de bairros periféricos, que estão muito conectados com essa perspectiva da indústria alimentícia”, comenta a coordenadora geral. 

 

Ao citarem o distanciamento entre quem produz e quem consome no cenário hostil de espigões e arranha-céus, quase sempre concretados em metros quadrados sob a disputa do capital, os coordenadores da ONG interpelam: por que não há uma política pública urbana para que se tenha área para morar e área para plantar? “Se são construídos conjuntos habitacionais, porque não há espaço reservado para a horta?”, questiona Maria Cristina, repensando outros modelos de cidade mais inclusivos: de outras urbanidades que não tenham a fome e a insegurança alimentar como pilares da segregação social também nas metrópoles.  

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Palafitas da Ilha de Deus Créditos: João Paulo Silva, 2017 | Caderno Virtual de Turismo | Licença Creative Commons

 

 

Iam para o destino, que os chamara de tão longe,

    das terras secas e fulvas de Quixadá,

        e os trouxera entre a fome e mortes,

     e angústias infinitas, para os conduzir agora,

  por cima da água do mar, às terras longínquas

      onde sempre há farinha e sempre há inverno.

 

Rachel de Queiroz — O Quinze, 1930.

 

 

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