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Editorial

DOSSIÊ A FOME E A (IN)SEGURANÇA ALIMENTAR NO BRASIL 

Brasil, 2021: Os noticiários foram invadidos por relatos de milhares de pessoas fazendo fila para conseguir comprar ossos, correndo atrás de caminhões de lixo, substituindo alimentos comuns e tradicionais por "versões" mais baratas e menos saudáveis. Esses são só alguns entre tantos relatos que representam a falta de alimentos na mesa de 15 milhões de brasileiros.

Pelo menos desde 2016, os números da fome no território brasileiro começaram a ganhar evidência, uma vez que o país estava vivendo a crise econômica, social e política dos desdobramentos do impeachment com motivações políticas sofrido pela presidenta Dilma Rousseff. A partir de 2020, esse triste cenário foi aprofundado pela pandemia da covid-19, levando o Brasil de volta ao Mapa da Fome após anos fora dessa estatística.

 

Se esse cenário fosse apenas devido à ação do Coronavírus, ele até poderia ser enquadrado no que Josué de Castro denominou de "fome epidêmica". Porém, o Brasil enfrentava a crise econômica, política e sanitária sob o comando de um presidente negacionista, defensor de políticas de arrocho fiscal e de que a superação da fome é um problema de responsabilidade e esforço individual.

 

Brasil, 2023: Nos 50 anos da morte de Josué de Castro, um dos maiores pensadores sobre a fome no mundo, podemos afirmar que o que estamos vivendo  mais uma vez é um caso de “fome endêmica”, estrutural, decorrente da ausência de políticas públicas efetivas para combatê-la. 

 

Por outro lado, com as vacinas, as eleições de 2022 e a mudança no governo federal, a partir de janeiro de 2023, uma série de medidas voltadas para o combate à fome foram retomadas e implementadas. Nesse contexto, e aproveitando o cinquentenário de Josué de Castro, a Revista Coletiva preparou o seu trigésimo terceiro dossiê, intitulado: A fome e a (in)segurança alimentar no Brasil. 

 

Nele, alguns pesquisadores da Fundação Joaquim Nabuco e convidados externos tratam do tema de forma geral e fazem uma análise a partir da perspectiva da pesca artesanal e do manguezal enquanto fonte de renda e de segurança alimentar para as populações que vivem em áreas costeiras.  

 

No primeiro artigo, intitulado Como mensurar a fome?  Darcilene Gomes, economista, pesquisadora da Fundação Joaquim Nabuco e uma das editoras temáticas deste dossiê, apresenta a definição de fome e os determinantes que definem a insegurança alimentar. Ela ainda mostra as ferramentas e etapas mais comuns de “contabilizar os indivíduos que passam fome”, para, em seguida, ser possível formular políticas públicas de combate à fome.

No artigo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA): combatendo a fome e fortalecendo a agricultura familiar, a autora Juciene Cardoso elucida a dimensão do programa que foi criado dentro do Fome Zero, além de mostrar os impactos causados pela extinção dessa política nas gestões federais do governo Temer e Bolsonaro, que recolocou o Brasil no Mapa da Fome. 

No artigo Fome e pesca artesanal: produção, seguridade alimentar, território e identidade das comunidades tradicionais pesqueiras, escrito pela pesquisadora Beatriz Mesquita, em parceria com o secretário da Regional Nordeste 2, Severino Antônio dos Santos, e Marília Tenório, engenheira de pesca e mestranda em Administração e Desenvolvimento, vemos o importante papel da pesca artesanal na mitigação da fome no mundo e no Brasil, país com uma grande área litorânea que permite que homens e mulheres possam tirar o seu sustento da pesca e garantir segurança alimentar através dessa atividade. 

 

No quarto e último artigo, Conversando com Josué de Castro e os povos do manguezal sobre vida, fome e luta, o pesquisador Pedro Silveira dialoga com a obra de Josué de Castro e seus escritos sobre o mangue e as populações que vivem próximas aos manguezais, mostrando uma interpretação possível para os escritos de Josué, em que o mangue e os povos que dele dependem passam a ser vistos como protagonistas e importantes agentes da vida marinha e da preservação desse ecossistema. 

 

Na entrevista que compõe o dossiê, a Coletiva conversou com a nutricionista, doutora em Políticas Públicas e coordenadora da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), Sandra Maria Chaves dos Santos. O papel da Rede para o mapeamento da insegurança alimentar no Brasil é um dos temas principais abordados pela professora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), bem como a importância da interseccionalidade entre gênero, classe e raça para se pensar políticas públicas de combate à fome no país, a necessidade da segurança alimentar e nutricional e o legado de Josué de Castro para o tema. 

 

Na reportagem Especial A Sociedade Civil no Combate à Fome, a jornalista da Coletiva, Marcela de Aquino, conversou com organizações e movimentos sociais sobre iniciativas e programas sociais contra à fome que inspiraram políticas públicas e através das quais se busca avançar na consolidação da cidadania em territórios periféricos, no qual populações mais vulneráveis, muitas vezes, só tem acesso a determinados direitos como a moradia e alimentação a partir dessa incidência política da sociedade civil. 

 

É a partir dos depoimentos de representantes da Cufa, Ação da Cidadania, MTST e Centro Sabiá, reconhecidos pela ampla atuação nas comunidades da Região Metropolitana do Recife e no agreste e semiárido nordestino, que se consolida uma agenda de direitos indissociáveis, entrelaçada com a verosimilhança de retalhos da literatura e de expressões artísticas e culturais locais, evidenciando a fome crônica nessa ficcionalidade do real. 

 

Por fim, na seção Saiba Mais, os leitores e leitoras encontram uma variedade de obras, sites, materiais audiovisuais, podcasts, audiobooks, entre outros, para ampliar o conhecimento sobre o tema da fome e da (in)segurança alimentar. 

 

Ao mesmo tempo respeitando a memória e lançando novas luzes sobre um velho e indesejável problema, esperamos que, em breve, estejamos mais uma vez fora do Mapa da Fome e só recordemos daquelas cenas dramáticas do início do texto como um longínquo passado — ainda que real, definitivamente superado.

Equipe Coletiva

EXPEDIENTE

Edição temática: Alexandre Zarias e Darcilene Gomes | Editores executivos do dossiê: Alexandre Zarias, Darcilene Gomes e Cristiano Borba | Editor-chefe: Cristiano Borba | Apoio editorial: Alice Ferreira, Marcela de Aquino e Mylena de Paula | Revisão: Mylena de Paula | Capa: Alice Ferreira | Edição: Cristiano Borba | Entrevista: Cristiano Borba, Marcela de Aquino, Mylena Galdino e Alice Ferreira | Seção Especial: Marcela de Aquino | Artigos: Beatriz Mesquita, Severino Antônio dos Santos, Marília Tenório de Melo, Darcilene Gomes e Pedro Silveira.

APOIO
LABJOR/UNICAMP
REALIZAÇÃO
FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO
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